Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar A evolução da liberdade até o dia clarear… (Chico Buarque) Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo Depois de quatro meses de coluna, sinto-me a vontade para escrever sobre a principal motivação da minha vida antes e após o acidente, a fé.
Sendo algo intangível e não concreto, esse tema muitas vezes não tem a importância merecida, em detrimento da sua altíssima capacidade de proporcionar conforto, confiança, paz, equilíbrio e força.
Não obstante tudo que tive que enfrentar desde o dia 07 de abril de 2010, data do acidente, todos ao meu redor se questionaram e se questionam de onde vem e veio à força que transpareço desde os primeiros momentos pós a lesão medular, para esse questionamento sempre tive a mesma resposta, a minha motivação é a fé.
Dessa forma, aproveito a proximidade da comemoração do nascimento de Jesus e o simbolismo que essa data representa para relembrar os seus principais dogmas que acabaram por mudar o rumo da cultura mundial e transformar a sociedade por meio de princípios simples, sábios e justos.
Pois bem, não pouco difícil é relembrar as cenas do meu acidente…
Mais fácil e mais motivador é ver um pouquinho de Deus e de amor ao próximo em todas as pessoas que me estenderam a mão naqueles momentos difíceis…
Mas vamos lá, na manhã do dia 07 de abril de 2010 partimos às sete horas de Juazeiro do Norte rumo a Salgueiro, que era a cidade na qual se localizava o canteiro central da ferrovia transnordestina, obra essa que eu estava não só disposta a trabalhar com a dedicação máxima que tive até hoje por uma atividade, mas estava disposta a entregar a minha vida para colaborar com a aquele projeto que tinha a missão de transformar o nosso Nordeste na terra de oportunidades, que merece ser…
Talvez por escutar o meu coração, ou por ter planos diferentes aos meus, naquela manhã sobrevivi ao acidente de forma quase que milagrosa, foram decisões inspiradas por Deus em várias pessoas que me proporcionaram poder hoje estar escrevendo para vocês…
Vi o início do acidente e desmaiei, não sei por quanto tempo fiquei desacordada, mas lembro nitidamente de ter recuperado a minha consciência na terra avermelhada do sertão do Cariri.
Ao olhar o carro destroçado e me dar conta do que tinha acontecido, fechei os olhos e rezei, inicialmente agradeci a Deus por estar viva, depois roguei a Nossa Senhora para me proteger, pois eu queria continuar viva, visto que ainda tinha muitos planos, sonhos e missões a cumprir…
Nessa hora tive a certeza de que tudo iria dar certo, pois uma calma transcendental me invadiu a alma, o que foi fundamental para meu quadro não piorar.
De repente, uma senhora sertaneja se ajoelhou ao meu lado e me disse o que uma voz dentro de mim já dizia: “Não se preocupe, minha filha, você vai ficar bem e eu vou ficar ao seu lado”.
Após uma viagem de helicóptero em baixa altitude para proteger o meu pulmão perfurado e uma viagem de avião UTI, cheguei a Recife e finalmente encontrei minha mãe no hospital, visivelmente dopada por tranqüilizantes, confortei-a dizendo que eu estava bem, pedi que rezasse para Nossa Senhora e agradecesse a proteção. É quase etéreo o passar do tempo em meio a um hospital, a tantos remédios, procedimentos e foi assim ao acordar sedada após 14 horas de cirurgia, lembro, apenas, da minha madrinha me relatando, emocionada, que encontrou nas minhas costas exatamente no local da lesão, no momento da cirurgia, a medalhinha de Nossa Senhora das Graças, que eu sempre carregava em um colar junto ao peito, mesmo após 24 horas de ocorrido o acidente e depois de várias movimentações comigo para transporte, exames, UTI…
Coincidência ou não, o fato é que o conforto, a paz e a confiança que aquele evento me proporcionou, impulsionou o modo como decidi encarar a situação que por muitos era considerada uma tragédia ou mais uma vida brilhante que se perderia na escuridão de uma mente perturbada pelo sofrimento profundo daqueles momentos.
Mas eis que, uma nova cirurgia difícil, 2 infecções hospitalares, as febres, calafrios, a secreção no pulmão que me impedia de dormir, a notícia de que eu iria ficar paraplégica por tempo indeterminado e 9 meses de internação hospitalar foram sendo superados um a um por meio do amor da minha família, que se dedicava a cada minuto para me apoiar, pelo amor dos meus amigos, que disputavam e esperavam horas para me dizer o quanto eu era importante para eles e principalmente pelo amor e conforto que somente Deus poderia proporcionar.
Outro dia, li uma reportagem sobre o poder da fé e tendo como ilustração o exemplo do ator Reynaldo Gianecchini, que enfrenta bravamente um câncer complicadíssimo de forma muitíssimo digna.
Li o depoimento do forte ator falando da certeza, confiança e paz proporcionados pelo seu acompanhamento espiritual.
Ao ler esse testemunho lembrei imediatamente do meu irmão me incentivando a ler a Bíblia e reunindo toda a família e amigos em orações noturnas que se tornaram para mim o momento mais esperado e mais importante do dia, como também lembrei a irmã Orlinda, que todos os dias ia ao hospital ministrar a comunhão, do Pe.
Cosme que me socorreu espiritualmente em um quadro perigoso de infecção que quase me forçou a voltar a UTI, a Serginho (Dudu) que em um momento de tristeza profunda me disse as palavras certas e com certeza inspiradas pelo Espírito Santo…
Esse hábito de orar todas as noites continuo a ter até hoje e me fortifica para o dia seguinte…
Comecei a entender, ao contrário da minha impaciência natural, que cada coisa tem seu tempo, seu momento e sua hora e que para aquele caso a minha ansiedade aliada a minha energia não conseguiria mudar o ritmo previsto por Deus.
Decidi, então, enxugar todas as lágrimas que insistiam em cair pelo meu rosto e lutar por minha vida, fiz de cada terapia, de cada tratamento, de cada nova informação uma motivação para acordar todos os dias e lutar para conseguir permanecer sentada sem cair, para passar sozinha de um lugar para outro, para vestir uma roupa sozinha e de repente, depois de mais de um ano, para conseguir ter um leve movimento no pé, um movimento mais forte no quadril e para conseguir utilizar uma órtese para ficar em pé, munida de um sorriso sem precedentes, e assim dar os meus novos primeiros passos para uma nova vida, uma verdadeira segunda chance.
As palavras de Dudu (seminarista na ocasião) me fizeram refletir muito…
Inspiraram-me a de certa forma me encontrar, pois o que aconteceu não era porque eu estava sendo penalizada por algo, como também não era para minha família aprender alguma lição, aquela fatalidade poderia ser aproveitada para, como Jesus pregou a mais de 2000 anos atrás, gerar frutos e plantar esperança e assim colher a paz, a minha e a de quem eu pudesse atingir com minhas palavras escritas, faladas, cantadas…
E foi assim que decidi no hospital usá-las para ajudar um lindo rapaz que não conseguia olhar nos meus olhos para me responder aos cumprimentos freqüentes e descobrir que sua perda de memória não afetaram as suas lembranças das músicas de Chico, que impressionantemente ele conhecia todas.
Ao perceber como a minha companhia, músicas e conversas o inspirava a lutar e a mudar o seu quadro de tristeza para uma motivação pela vida, continuei a realizar esse acompanhamento espiritual e musical com vários outros amigos internados que felizmente iam melhorando a cada gesto de amor que eu dedicava a eles, já que eu estava doando o que de mais importante eu tinha, meu tempo e o meu coração.
Essa ação iluminada por Deus me trouxe uma paz enorme, como também a maior felicidade na realização de uma atividade, não por construir obras importantes, mas por colaborar com a reconstrução de vidas e sonhos de amigos que guardo, verdadeiramente, no meu coração.
A partir desta iniciativa, tive a iluminação para montar o Projeto Novos Horizontes para ampliar o Centro de Reabilitação do IMIP, o que hoje já é uma sólida realidade e ajuda na reabilitação de centenas de pessoas com dificuldades semelhantes as minhas.
Como também, iniciei essa coluna em setembro de 2011 e hoje já enxergo as mudanças ocorridas na sociedade pernambucana, através de ações do Governo Estadual, da Prefeitura do Recife, das instituições, associações, enfim do nosso povo…
Hoje, vejo que muitos já olham o deficiente com os olhos do respeito, admiração e vontade de colaborar para o acesso a cidadania e dignidade de vida sem distinção.
Enfim, a todos que leram essa coluna e sentiram tocar no coração o grito da esperança e vontade de lutar por um mundo mais justo, eu agradeço e convido para nesse natal se inspirarem em Jesus Cristo e darem a mão a um irmão que necessita.
A todos que reconheceram nas minhas palavras um forte estímulo para se libertarem da tristeza e correrem em busca de seus sonhos, eu insisto em dizer que toda a tristeza vai passar…
E logo, logo a cidade vai cantar.
A todos que se juntaram a mim efetivamente com ações a favor da cidadania e atitudes de solidariedade e amor ao próximo, eu digo que Jesus está feliz em ver cada ovelha que se perdeu e se encontrou no caminho da equidade.
E finalmente, a todos, eu dedico esse artigo como meu presente de Natal e espero que o exemplo de dignidade, fé, justiça, fraternidade, igualdade, liberdade, esperança e amor ensinado e pregado por Jesus Cristo não encontre um terreno pedregoso e sim um ambiente fértil para que a vida nos dê flor e frutos.
Por fim, encerro esse artigo com a passagem da Bíblia retirada do livro Eclesiastes como mensagem de esperança, força e completude de vazios que somente poderão ser preenchidos e inspirados por Deus.
Assim amigos, desejo-lhes um FELIZ NATAL E UM ANO NOVO REPLETO DE REALIZAÇÕES!
Cada coisa tem seu tempo Cada coisa tem seu tempo Neste mundo seu momento e sua hora Tem as coisas de amanhã Tem as de ontem e outras coisas Tem que ser tempo de agora Tempo de nascer e tempo de morrer Tempo de plantar e tempo de colher Tempo de esperar e tempo de apressar Tempo de sorrir e tempo de chorar Tempo de bailar e tempo de gemer Tempo de ganhar e tempo de perder Tempo de avançar ou de recomeçar Tempo de guardar ou de se desfazer Tempo de calar e tempo de falar Tempo de amar e até de não amar Tempo de anunciar ou de denunciar Tempo de ser paz e a paz a gente faz (Pe.
Zezinho,scj) (música baseada no livro bíblico Eclesiastes, extraita do CD - Sem ódio e sem medo)