Por Ricardo C.
Furtado A térmica a óleo combustível a ser instalada em Suape trouxe uma grande preocupação para aqueles que pensam na sustentabilidade da política de energia elétrica e no planejamento da expansão do setor elétrico brasileiros.
Para um país de recursos energéticos abundantes como o Brasil, o uso de óleo combustível para produção de energia elétrica suscita as seguintes questões: (i) o planejamento da expansão do sistema eletroenergético recomenda essa fonte com base em que premissas ambientais? (ii) o planejamento indicativo da geração tem levado a uma matriz de energia elétrica não sustentável? (iii) os leilões de energia contribuem para uma matriz de energia elétrica não renovável? (iv) o planejamento indicativo da geração atualmente utilizado pelo setor elétrico brasileiro - que recomenda um conjunto de projetos para expansão do sistema que devem ir a leilão, mas que podem não ser implantados - é mais adequado do que o planejamento determinativo, em que todos os projetos do plano devem ser implantados, como no caso da transmissão?
Desde o início de suas atividades, em 2005, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem sido responsável pelos estudos de planejamento energético, cujos planos de longo, médio e curto prazo são aprovados pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Houve, nos primeiros planos decenais elaborados pela EPE - por falta de opções de usinas hidrelétricas, diga-se de passagem, a indicação de térmicas a gás e a carvão, mas, em nenhum deles, as térmicas a óleo combustível foram planejadas para expansão do sistema de geração de energia elétrica.
Em todos esses estudos, a questão ambiental foi introduzida, sendo, seus critérios e procedimentos, progressivamente, aprimorados.
Adicionalmente, foram quantificadas as emissões de gases de efeito estufa.
Há dois anos, os estudos socioambientais atingiram um nível ainda mais elevado com a incorporação dos índices de sustentabilidade das usinas e das linhas de transmissão.
Dessa forma, o planejamento, no sentido estrito, não é responsável pela implantação de térmicas a óleo combustível.
Contudo, uma série de fatores, tais como atrasos nos estudos de viabilidade dos projetos e nas licenças ambientais, tem alterado, de forma substancial, o planejamento indicativo da geração.
Os leilões de energia não têm uma associação direta com o planejamento, levando a uma alteração preocupante da matriz de energia elétrica.
Os números mostram claramente a contribuição das fontes não renováveis nesses certames.
De 2005 a 2008, os leilões, em termos de energia média, resultaram em 52% de fontes não renováveis, incluindo parcela significativa de térmicas a óleo combustível.
No período 2009 a 2011 (novembro), graças aos leilões da usina de Belo Monte e das fontes alternativas, com um número significativo de fontes eólicas, esse quadro mudou significativamente.
As fontes renováveis passaram a representar 91,5%, restando às fontes não renováveis apenas 8,5% da energia média vendida.
Mesmo com a mudança de rumo dos leilões feita pelo Governo Federal, olhando o período total dos leilões – 2005 a 2011, o percentual das fontes não renováveis ainda é elevado, 37,2%, mostrando que a matriz de energia elétrica ficou menos limpa.
Outra lacuna nesses leilões é a falta de critérios para a localização das térmicas.
Embora, a EPE tenha realizado estudos para macrolocalização de térmicas, considerando fatores de restrição e de atratividade, evitando maiores impactos e perdas, ou seja, que a energia gerada seja consumida no mesmo subsistema, os leilões não levam em consideração esses fatores.
O resultado é mais uma térmica em Suape, distante apenas 10 quilômetros do principal destino turístico de Pernambuco, Porto de Galinhas.
E, o pior, a óleo combustível, que emite cerca de 75% a mais de CO2 do que uma térmica a gás natural.
Pelo exposto, o caminho seria a volta ao planejamento determinativo?
Não necessariamente.
Pelo pouco que foi dito, está claro que há uma falha no planejamento no sentido amplo da palavra.
Quando se planeja, espera-se que o que foi planejado seja executado.
Mesmo no planejamento indicativo, alterar a natureza dos projetos, de fontes renováveis para não renováveis, pode comprometer a sustentabilidade do plano e a credibilidade do planejamento.
Há necessidade, portanto, de direcionar os leilões para o planejamento, sem abrir mão da competição e buscando restringir as fontes não renováveis.
Alguns poderão argumentar que, muitas vezes, isso não é possível por falta de opções renováveis competitivas.
Entretanto, caso os custos socioambientais para a sociedade dessas térmicas a óleo combustível tivessem sido introduzidos na análise, com certeza, as fontes renováveis se tornariam mais atrativas.
Nos leilões, isso só seria possível com instrumentos econômicos que internalizassem os custos das externalidades causadas por essas fontes de geração de energia elétrica.
Concluindo, pode-se afirmar, após seis anos de experiência dos leilões de energia, que o aprimoramento desses certames é uma necessidade para que os planos de expansão do setor elétrico sejam sustentáveis e a matriz de energia elétrica do país continue a ser uma das mais limpas do planeta.
PS: Ricardo C.
Furtado, PhD em políticas energéticas e ambientais pela Universidade de Londres, ex-superintendente de Meio Ambiente da EPE, é diretor da Diversa Consultoria em Sustentabilidade (ricardofurtado@diversaconsultoria.com.br).