Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo Acabei de chegar de viagem…
Voltei de São Paulo cheia de esperança quanto ao bom andamento da minha reabilitação física, motivada não só pelo meu suor nas fisioterapias diárias e pelo esforço dos meus ótimos fisioterapeutas, mas principalmente pela fé que motiva desde o primeiro dia, após o acidente, a minha forte convicção no meu pleno restabelecimento mental e físico.
Voltei da viagem com a minha fé nos homens também restabelecida, confesso que nessa caminhada foram inúmeras as vezes que o comportamento de um semelhante me feriu a alma.
Quando me deparo ainda com esse tipo de comportamento negligente, insensível e preconceituoso, prefiro me expor e tentar orientar para condutas mais adequadas, do que baixar a cabeça e considerar esse evento normal e até me acostumar a ele.
Nunca me habituei a esconder as minhas dores no armário e fingir que elas não existem, sei que mais cedo ou mais tarde irei me deparar com elas com uma força potencialmente maior…
Após enfrentar tais situações, sempre choro internamente, mais por eles do que por mim, tenho pena de quem vive em um mundo de ilusão, tenho pena de quem faz da fantasia sua estrada para o mundo e mais pena ainda de quem acha que um conto de fadas é o mais próximo do que pode conceber sobre a felicidade.
Tenho pena dessas pessoas…
Não tenho pena de mim, não acho que tive azar por estar no carro que me levou a estar paraplégica, não acho que perdi a oportunidade de ter uma vida maravilhosa e cheia de sucesso pela frente, acredito que tenho todas as possibilidades anteriores, apenas terei de uma forma diferente da que eu imaginava, até aquele momento.
Como diria Charles Chaplin, finalmente aprendi a me amar de verdade e quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato.
E, então, pude relaxar.
Hoje sei que isso tem nome: auto-estima…
Pois é, essa tal de auto-estima é um impulso fantástico para que amemos a vida e estejamos sempre confiantes diante de novos desafios e ela me ajuda a superar obstáculos, atitudes, olhares, palavras, preconceitos e usar essas experiências para me fortalecer para os caminhos presentes e futuros.
A fé e a auto-estima aliadas fazem crescer a esperança no futuro, nos homens e em mim…
Foi com esse espírito que voltei da viagem, conviver com pessoas que me olham como semelhante e como igual, sendo diferente, é fantástico…Olhos nos olhos!…Assim, gostamos de ser tratados, sendo deficientes, afinal não estamos doentes, não estamos impossibilitados de estudar, trabalhar, namorar, passear, encantar-se com as cidades, decepcionar-se com um falso amor, rir e até chorar das situações mais cotidianas.
Lembro de alguns amigos e conhecidos que depois de me reencontrarem após o acidente, acabarem me confidenciando que estavam com medo de me encarar, de me verem em uma cadeira de rodas sabendo quanto eu era dinâmica e cheia de vida.
Disse para eles e para todos, que continuo amando a minha vida, até mais do que antes, e que agora estou mais rápida, pois essas rodas me fazem voar com uma velocidade tal que às vezes eu mesma não me acompanho…
Explico aos meus amigos, que sempre correm para me ajudar quando quero mudar da cadeira de rodas para o sofá, que não é necessário que todos fiquem receosos e achem que, como uma boneca de louça posso cair e quebrar a qualquer momento, pois para mim essas novas condições são normais e garanto que se precisar de ajuda irei pedir sem nenhum constrangimento.
Afinal, conviver com pessoas com deficiência é mais simples do que todos imaginam.
Na verdade, a única coisa complicada é o desconhecimento e a falta de informação que geram medos, inseguranças e preconceitos diante do novo e das diferenças.
Acredito, que o convívio na sociedade de pessoas com deficiências e pessoas rotuladas como “normais” acaba gerando seres humanos mais fortes, sensíveis, humanos e generosos à medida que as diferenças acabam se dissolvendo por meio do amor, da amizade e do respeito à dignidade humana.
Enfim, um país que tem 14,5% de sua população com algum tipo de deficiência não pode aceitar que esse grande contingente da população esteja excluído, como também não podemos ser indiferentes a uma realidade que bate a nossa porta a todos os momentos, mesmo quanto insistimos em viver no “fantástico mundo de Bob”, como diria um grande amigo meu.
Viver numa sociedade inclusiva, pensar que ela valoriza a diversidade humana, que possui oportunidades reais para todos e que temos a consciência de que não somos apenas responsáveis pelas nossas vidas, mas também pela qualidade de vida do outro é um sonho que pode ser mais real à medida que nos conscientizarmos do nosso papel responsável perante a um mundo desigual.
Temos a responsabilidade de incluir a todos e até adaptar nossos hábitos a esse novo paradigma que se apresenta.
Quando, semana passada meu chefe chegou da Europa e me relatou quanto à evolução daquele povo no que diz respeito à acessibilidade e o respeito às diferenças, questionei-me por que não podemos seguir esse bom exemplo e nos espelharmos para construir uma cidade e cidadãos melhores.
Da mesma forma, no mês passado uma amiga me relatou a sua viagem aos Estados Unidos e as atitudes dignas que observou naquele povo.
Um pouco mais perto, aqui no Brasil, percebi que as denuncias que fiz no site da prefeitura de São Paulo quanto a calçadas inacessíveis foram todas ouvidas e as calçadas restauradas.
Todos esses eventos indicam que algo está mudando na nossa sociedade e temos uma responsabilidade histórica com a consolidação dessa mudança.
Ao contrário do conselho que me foi dado, por uma pessoa que não me conhece, para retomar a vida em uma cidade acessível, insisto em permanecer no meu lugar.
Amo Recife, amo Pernambuco e não aceito fugir da minha terra e abandonar todos os meus amigos deficientes sem lutar junto a eles para que o nosso sonho de uma cidade acessível, um estado com oportunidades iguais, cidadãos mais conscientes e educados quanto ao modo de tratar respeitosamente a todos em igualdade de condições, se torne realidade.
Tenho fé no meu lugar, no meu povo e em mim.
Não aceito outra opção, a não ser a de lutar de todos os modos possíveis e de todos os jeitos sonhados.
Ah…
Tenho visto muito mais deficientes nos shoppings, nas igrejas e tentando acessar as ruas e praças, peço a todos que recebamos de braços abertos nossa gente, não percam a oportunidade de conhecer tantas pessoas especiais e como li recentemente em um livro de convivência, segue uma dica: no convívio social ou profissional, não exclua as pessoas com deficiência das atividades normais, mas deixe que elas decidam como podem ou querem participar, não se esqueça de respeitar seus limites, interagindo de forma amigável.
Outro dia, fiquei encantada com uma criança numa cadeira de rodas que brincava no parque da Jaqueira, ela sorriu e me acenou de longe e continuou correndo em busca da bola que flutuava diante de uma tarde ensolarada de domingo.
Observei meus sobrinhos “normais” que tinham o mesmo sorriso e a mesma ânsia de vida e felicidade da criança cadeirante.
Nesse momento não existiam diferenças entre eles…
Quase escutei a voz de Guimarães Rosa dizendo-me “… o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando.”.
Nesse momento, sinto-me a vontade de convidá-los para serem protagonistas de um movimento em prol de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e essa sociedade requer as condições do acesso de todos sem distinção e a promoção da cidadania através do resgate da dignidade humana.
Como afirmei em artigos anteriores, a luta por inclusão e acessibilidade garantiu a existência de leis, decretos, emendas que teoricamente garantem a inclusão educacional, no mercado de trabalho, nos transportes, nos ambientes urbanos, no entanto a falta de eficácia na aplicabilidade e fiscalização quanto a essas leis ainda faz existir uma barreira entre a lei, ou o que deveria ser e o que é na prática.
Outrossim, esse caminho já iniciou a ser traçado e não podemos perder o trem da história e encarar o retrocesso de permanecermos imóveis frente a essa realidade.
Confirmando a hipótese de um juiz, empreendedor social em Recife, de que quando o objetivo é bom o universo conspira para alcançá-lo, dessa forma, ontem recebi uma visita muito especial de dois jovens não deficientes que querem mobilizar as pessoas na causa humanitária da inclusão e acessibilidade.
O sonho deles é a instituição do reino do bem e o meu sonho é a instituição da justiça…
Acredito que esses sonhos são comuns a muitos que estão lendo essa coluna, por isso vou cometer a ousadia de convocá-los para unirmos forças frente ao movimento em prol do bem comum.
Essa batalha vai premiá-los com o sorriso de uma criança que nasceu pobre e deficiente, mas que superando todas as expectativas vai, finalmente, poder ver o belo futuro que o espera…
Afinal, milagres existem e quem disse que Deus não é brasileiro?
Nota do Blog - Quem é Manuela Dantas?
Manuela Dantas tem 32 anos e trabalha como engenheira civil, formada pela Universidade Federal de Pernambuco.
Em abril do ano passado, ela sofreu um grave acidente de trabalho.
O carro em que viajava para Salgueiro, nas obras da Transnordestina, capotou no interior do Ceará.
Teve politraumas, perfuração do pulmão, hemorragia interna e lesão raquimedular.
Tornou-se cadeirante desde então.
Poderia aposentar-se, pelas leis trabalhistas, mas não aceitou trilhar o caminho mais fácil.
Como nunca desistiu de lutar, agora também guerreia por uma vida com igualdade de condições para todos os deficientes físicos que enfrentam dificuldades diárias nas situações mais cotidianas.
A convite do Blog, Manuela escreve semanalmente, para falar de cidadania e louvar o milagre da vida, conversando conosco.