O Polo de Confecções e o bom jornalismo Por Saulo Moreira Todo processo de expansão econômica enseja distorções.
Tem sido assim ao longo da história e continuará sendo enquanto o homem empreender sua legítima busca por uma vida melhor.
Há pouco mais de dois meses, o Jornal do Commercio publicou um caderno especial chamado Redenção e contradição, destacando a importância do complexo industrial e portuário de Suape, a joia da coroa de nosso Estado.
Tanto investimento sem o necessário planejamento governamental provocou mazelas sociais graves.
A reportagem mostrou isso com responsabilidade e profundidade.
Prova disso é que está concorrendo ao Esso, principal prêmio do jornalismo brasileiro.
Em se tratando do episódio do tecido hospitalar que, conforme descobriu-se, algumas empresas vinham utilizando no Polo de Confecções do Agreste pernambucano, agimos da mesma forma.
Com responsabilidade e profundidade, ouvindo todos os lados envolvidos na questão.
Os repórteres que cobrem o assunto são orientados desta forma e assim vêm desenvolvendo suas funções, como é praxe nesta empresa.
O Polo de Confecções de Pernambuco é um exemplo inequívoco de um empreendedorismo heroico.
Há pelos menos cinco décadas começou a se desenvolver e o fez numa das regiões mais pobres do Brasil, praticamente sem apoio do Poder Público.
Hoje, abriga 22 mil empresas que geram algo em torno 150 mil empregos.
São pessoas que vivem dignamente produzindo roupas que são vendidas em todo o País, nas mais modestas feiras livres e nos grandes magazines.
Nosso polo mostra ainda sua força na medida em que concorre de igual para igual com países como a China que, no afã de exportar, pratica uma política cambial questionada em todo o mundo.
Tantas virtudes, porém, não podem e não devem acobertar eventuais práticas irregulares.
Há cerca de vinte dias, quando dois contêineres repletos de panos de hospitais americanos misturados com seringas, cateteres e outros resíduos hospitalares chegaram a Suape, achou-se que a importação de lixo hospitalar era uma prática isolada de uma empresa de confecções situada em Santa Cruz do Capibaribe.
De pronto, lideranças políticas e empresariais se apressaram em tratar da necessidade de se separar o joio do trigo.
Um só empresário não podia macular toda uma cadeia produtiva, argumentaram.
Mas a questão era – e é – mais complexa.
Se a importação do lixo hospitalar de outros países é algo isolado não dá para afirmar ainda, a julgar pela precariedade de nossos mecanismos de controle em portos, aeroportos e rodovias. É algo que precisa ser investigado pelas autoridades competentes.
A utilização de tecidos hospitalares no processo de fabricação de roupas no Agreste pernambucano, porém, é uma realidade, como mostraram veículos de comunicação do Estado e do País.
O JC tem imagens e declarações que comprovam que o polo vinha, sim, usando refugos em bermudas, calças e outros produtos.
Aqui vale lembrar que a legislação vigente no Brasil proíbe o reúso desse tipo de material para outros fins.
A prática traz riscos graves para a saúde dos trabalhadores.
Lençóis e retalhos com marcas de hospitais de Pernambuco e do Brasil foram encontrados nas roupas fabricadas no Agreste e nos lixões que ficam nas imediações das cidades que integram o polo.
Alguns empresários alegaram que estes retalhos, embora utilizados e carimbados com a marca de instituições de saúde, eram novos.
Seriam sobras saídas direto das tecelagens para as fábricas de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama.
Mas há dúvidas também a este respeito, haja vista alguns panos encontrados com suspeitas manchas amareladas.
São muitas as dúvidas.
Não é à toa que Polícia Federal, FBI, Instituto de Criminalística, secretários e ministros de Estado e até o governador de Pernambuco vêm tratando da questão.
Por vias tortas, pode-se dizer que o Poder Público, enfim, chegou ao Polo de Confecções.
O que se espera é que ao fim deste processo, este setor, tão importante para nosso Estado, saia depurado e ainda mais fortalecido.
A nós, do JC, cabe acompanhar as investigações, entrevistar todos os envolvidos, dar espaço às mais diversas opiniões e, desta forma, praticar o bom jornalismo.
Nosso compromisso, nunca é demais ressaltar, é com Pernambuco.
E com nossos leitores.
Saulo Moreira é editor de Economia do JC e meu ídolo nesta nova geração