Por Gustavo Krause Conheci três Orlandos que fizeram história.
Chegaram ao meu conhecimento de formas diferentes numa mesma época: a adolescência.
O primeiro, graças ao exigente e saudoso professor de História, Geraldo Magela, do, não menos saudoso, Colégio Padre Félix, foi Orlando Furioso.
Era o personagem que dava nome ao poema épico de Ludovico Ariosto, uma das obras monumentais da literatura renascentista do cinquecento (1532) com 46 cantos e 40.000 versos cuja construção durou mais de trinta anos.
Dever de casa: breve resenha desta e das grandes obras do renascimento que, sem o Google milagreiro, o jeito era recorrer às enciclopédias disponíveis nas bibliotecas.
Síntese da síntese: a moldura histórica do enredo é a guerra entre os mouros e Carlos Magno; a referência sociológica eram os valores da cavalaria medieval; o drama humano de Orlando tinha como fonte o amor, paixão incontida, não correspondida pela encantadora Angélica que o preteriu pelo mouro Medoro.
Com todo respeito, a dor de cotovelo provocou, como soe acontecer, a fúria bestial em Orlando que destruiu tudo que dele se aproximava.
Astolfo, alter ego do autor, devolveu a Orlando o siso perdido e por ele encontrado na lua, santo remédio para esquecer Angélica.
Mais ameno é o segundo: Orlando pingo de ouro.
Craque de primeira grandeza do futebol pernambucano que partiu do Náutico para se consagrar no Fluminense, supercampeão em 1946, ao lado de dois pernambucanos que, também, marcaram época no futebol brasileiro: Ademir Menezes, revelado pelo Sport e o recifense da Torre, o técnico Gentil Cardoso, inovador e folclórico foi campeão pelos três grandes de Pernambuco.
Pingo de Ouro, baixinho, ágil, inteligente, sutil, conseguiu a façanha de ser campeão sul-americano pela seleção brasileira e o segundo maior artilheiro da história do fluminense.
Sua história me foi narrada pelo meu pai que dizia o seguinte: foi da família Viana (Isaac, Orlando, Tará, Gerson e Roldan) e Carvalheira (Zezé, Emidio, Fernando e Arthur) já nascem sabendo jogar (e bem) futebol.
O terceiro, vi, ouvi e, graças aos avanços da tecnologia, continuo ouvindo.
Trata-se de Orlando Silva, o cantor das multidões.
Sucesso estrondoso.
Voz aveludada e límpida na linhagem de Chico Alves e Nelson Gonçalves, Orlando Silva tinha uma vantagem: era portador, sem afetações, da faceirice carioca.
De fato, ternurava o coração das multidões.
Eis que na madureza dos sessenta anos me aparece o quarto Orlando, também, Silva, Ministro do Esporte, e tendo por destino, assim como seus homônimos, fazer história.
Uma história, tudo indica, diferente cujo implacável tribunal caberá julgar.
Por tudo que foi dito e lido sobre o mau uso das verbas ministeriais, não há porque negar ao ministro o benefício da dúvida ou a presunção de inocência, um dos pilares do Estado de Direito.
O que está em jogo não é, apenas, a culpa ou a responsabilidade de um agente público em relação aos padrões éticos que devem prevalecer no respeito ao bem público.
O buraco é mais em cima.
Em nome da governabilidade, o Estado brasileiro foi loteado em capitanias partidárias e povoado de militantes, alojados em dezenas de milhares de cargos comissionados de onde são drenados os recursos necessários para manutenção do projeto de poder e apropriados por delinquentes que manejam uma organização criminosa.
A amplitude e a profundidade da ação não se combatem com faxinas pontuais.
Ganha uma tapioca do Alto da Sé de Olinda o brasileiro que escalar o primeiro time do governo ministerial composto por 39 pastas ministeriais. É uma estrutura tentacular.
Incontrolável.
Vai do bilhão superfaturado ao milhão surrupiado dos programas fajutos, geridos por organizações de fachada.
O ministro não enganou ninguém. É um homem de partido.
Seguramente, julga-se o homem novo preconizado pelo monstruoso Enver Hoxha, ex-ditador da Albânia um dos ícones partidários ao lado de Stalin e Mao-Tse-Tung.
Certamente, não proscreveu a crença ideológica na marcha inelutável da história para o socialismo e na doutrina salvífica da sociedade comunista.
A não ser que seja uma metamorfose ambulante.
Revolucionário na primeira hora e pragmático todas as horas, o ministro não estará no mesmo panteão dos outros “Orlandos”, mas no país do futebol e da Copa, passará para história como Orlando, bom de bola.