Por Daniel Guedes / Enviado especial (texto, fotos e vídeos) SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE / TORITAMA - Desde as primeiras horas desta segunda-feira (24), centenas de pessoas já andavam de um lado para o outro atrás de produtos nas tradicionais feiras de cofecções dessas duas cidades do Agreste, duas das mais importantes do polo têxtil do Estado.
A maioria dos comerciantes se une para dizer que o movimento está normal para este ano, considerado fraco, em relação ao ano passado.
São poucos os que reclamam de queda e apontam como motivo a propaganda negativa advinda da importação de lixo hospitalar norte-americano por um empresário da região, há duas semanas.
A Império do Forro de Bolso, nome fantasia da indústria NA Intimidade, é suspeita de mandar trazer dos Estados Unidos dois contêineres com tecidos usados, com manchas que lembram sangue, além de esparadrapos, seringas, catéteres, entre outros materiais usados em clínicas e hospitais.
A crise mundial e a greve dos bancos, que terminou na semana retrasada, foram os fatores mais lembrados pelos comerciantes ouvidos pelo Blog de Jamildo/NE10 para justificar as baixas vendas este ano. “O movimento vem fraco porque estamos passando por uma crise mundial.
As vendas de Natal ainda não começaram.
Isso é só em novembro, quando as pessoas começam a receber o 13º (salário)”, acredita o presidente da Associação dos Lojistas do Parque da Feira de Toritama, Prudêncio Gomes.
Para ele, o desenvolvimento do polo de confecções de Pernambuco conquistou a confiança dos consumidores. “Nos anos 1980, aqui se fabricava e vendia sulanca.
Hoje, vendemos moda.
Nenhuma fábrica de nome vai pegar forro e botar (sem procedência) na sua marca”, defende.
O discurso de que a crise fez as vendas cairem não apenas nas últimas semanas, quando o caso dos forros de bolso veio à tona é adotado por quase todos os comerciantes, que procuram mostrar que o movimento está dentro do que é considerado normal. “Na terça-feira passada não vendi nada.
O movimento já estava fraco e não melhorou.
Hoje voltou ao normal.
Ninguém fica olhando forro de bolso.
Hoje o movimento tá normal para uma segunda-feira”, minimiza Edjane de Fátima Tavares, que há dez anos tem negócio no Parque da Feira de Toritama.
A gerente de uma das lojas vestiu a camisa da campanha que ressalta a qualidade do polo de confecção.
Ela acredita que o Natal vai trazer as boas vendas de volta. “Acho que em 15 dias a situação vai se normalizar”, diz Ozoriam Maria de Morais.
Mas apesar de todo o otimismo, a polêmica do lixo hospitalar ainda chama a atenção e preocupa.
A entrevista foi interrompida quando o telejornal local começou a apresentar novidades sobre o assunto.
Pela feira de Toritama há outros sinais de que a crise do lixo hospitalar não passou sem deixar rastros.
Na vitrine de uma das lojas, a saia está exposta pelo avesso para mostrar que os forros têm a marca da peça de feminina.
A confecção mandou pedaços do forro de bolso para que os lojistas exibam aos clientes mais desconfiados.
Uma loja aberta há apenas um mês, amarga só nesta segunda-feira um prejuízo de R$ 13 mil. “A gente não está vendendo quase nada.
Dia de segunda a gente não ficaria assim conversando.
Nas segundas a gente tira R$ 16 mil.
Hoje só foram R$ 3 mil.
Ontem só vendemos R$ 1 mil.
Sinceramente eu acho que isso é por conta dessa história de lixo hospitalar”, contou a vendedora Ana Paula Alves.
A comerciante Elane Santos veio de Jequié, no interior da Bahia.
Com medo de ficar com produto encalhado nas prateleiras de sua loja, comprou apenas R$ 1,5 mil, metade do que geralmente leva de jeans. “Lá não se fala em outra coisa. o povo está com medo de comprar calça jeans.
Já senti uma queda de uns 30%.
Todo mundo que vai fica olhando os bolsos.
Vou levar só a metade da quantidade que geralmente compro.
Se sair, na próxima vez, daqui a um mês, compro melhor”, diz ela, que veio com a irmã e a mãe que, receosa, trouxe de casa o próprio lençol para passar a noite num dos hotéis da cidade.
Os motoristas das rurais que trazem compradores para Toritama também estão sentindo as consequências da histeria coletiva. “Caiu e muito o movimento.
Antigamente fazia de quatro a cinco viagens de Santa Cruz do Capibaribe para cá.
Hoje só fiz duas viagens.
Eu fazia R$ 150, R$ 200.
Nesta segunda, consegui R$ 35 a pulso”, lamenta o motorista Welington Pereira.
Já em Santa Cruz do Capibaribe, Marli Silva, uma das responsáveis por ônibus que trazem sulanqueiros de outros Estados, concorda com quem vê queda no movimento neste ano inteiro e não somente agora.
Se em 2010 ela trazia três ônibus lotados, agora só trabalha com um, onde carrega 45 comerciantes a R$ 220, cada.
Eles vêm de oito diferentes cidades no interior do Maranhão, fazem compras em Fortaleza e, no terceiro dia de viagem, compram na cidade pernambucana. “Esse episódio, especificamente, não teve impacto”.
No mais, a situação é a mesma de Toritama.
Comerciantes indicam que o ano, como um todo, não tem sido favorável e contam com o Natal para reverter a maré negativa de 2011.
NOTA FISCAL - Em Santa Cruz, o problema principal é outro, apontam os compradores forasteiros.
A informalidade dos pontos de venda é que prejudica as vendas. “Para nós o problema é a falta de nota fiscal.
A maioria das lojas aqui do Parque da Feira não dá nota.
Dizem que não dão ou que o valor da compra é muito pequeno.
Hoje, de quatro lugares que eu fui, só um me deu”, conta Antônia Castro, de São Bento, no Maranhão.
A consequência disso, diz ela, é a migração para Goiânia (GO). “Lá eles dão um prazo melhor para pagar e fornecem nota fiscal”, aponta.