Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações e determina: Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. …

De repente do riso fez-se pranto, das mãos espalmadas fez-se o espanto, do momento imóvel fez-se o drama, fez-se do amigo próximo o distante, fez-se da vida uma aventura errante, de repente, não mais que de repente…

O poetinha camarada tinha me ditado há muito esse soneto, o qual nunca tinha compreendido com a profundidade e o sentido de agora.

De repente acordei diferente…

Acordei com a consciência de um não poder tantas coisas…

Tão pouco valorizadas por mim dantes e que se tornaram, repentinamente, a busca incessante das minhas batalhas diárias.

Naqueles primeiros dias pós lesão medular, eu desejava sobremaneira ter um amigo cadeirante que compreendesse o que acontecia comigo e me mostrasse à luz no fim do túnel, como eu queria correr para aquela luz como uma criança que aprende os primeiros passos e corre afobadamente para a vida recém descoberta.

Busquei minhas lembranças do mestrado na USP, da faculdade de engenharia, da juventude no colégio São Luís, da adolescência no colégio Equipe, da infância no colégio das Irmãs em Picos e nada…

Nenhum amigo deficiente, nenhum colega cadeirante para me ensinar que a vida continua, para me mostrar que estudou, que trabalhou e que conquistou tudo o que quis, incluindo a felicidade, naquela nova condição, que agora me era imposta.

De repente me senti sozinha em um mundo que não me compreendia…

Questionei-me, ora se temos 15% de deficientes no Brasil onde eu estava, ou onde estavam os outros deficientes que não me deparei com eles nos meus 31 anos de vida anteriores ao marco do acidente…

Confesso que não sabia responder, mas sou inquieta, pesquisei muito e ainda não consigo responder completamente essa questão.

Descobri nessa pesquisa, com a ajuda da Wikipédia, o conceito de educação inclusiva, a qual é um processo em que se amplia a participação de todos os estudantes nos estabelecimentos de ensino regular.

Trata-se de uma reestruturação da cultura, da prática e das políticas vivenciadas nas escolas de modo que estas respondam à diversidade de alunos. É uma abordagem humanística, democrática, que percebe o sujeito e suas singularidades, tendo como objetivos o crescimento, a satisfação pessoal e a inserção social de todos.

Fiquei encantada com as escolas inclusivas e com a atenção as especificidades dos homens, conclui que esse conceito se amplamente aplicado poderia ajudar o Brasil a melhorar a qualidade de suas escolas, cujo resultado do ENEM divulgado semana passada mostram o abismo entre nossos estudantes e os de países da OCDE (organização que reúne os mais ricos).

Um momento, somos agora uma potência economica, mas se não mudarmos nosso sistema de ensino (incluindo escolas particulares) continuaremos dependentes de cabeças e tecnologias importadas.

Ademais, temos pouquíssimas escolas inclusivas e entendo que seria muito saudável para a sociedade brasileira que todos os alunos com suas diversidades participassem de uma mesma instituição de ensino.

Por que separar o que é fruto da mesma sociedade?

Decerto, a convivência com as diferenças desde a mais tenra idade eliminaria muita das barreiras atitudinais e arquitetônicas que constituem hoje um entrave ao desenvolvimento da democracia e da universalidade de direitos aos homens garantidos pela Constituição Federal e pela Organização das Nações Unidas.

Lembrei dos meus amigos muito presentes em outros tempos e que agora se sentiam constrangidos a me ver sobre rodas, como se minha vida tivesse chegado ao fim…

Garanto a todos eles que estou mais dinâmica do que era e continuo preferindo ser feliz e otimista como antes.

Descobri, então, que o desconhecimento é uma forte barreira!

O desconhecimento me roubou muitos amigos e oportunidades, o desconhecimento me roubou a liberdade de ir e vir, o desconhecimento quis roubar a minha esperança e o meu constante brilho nos olhos.

Porém, fui mais rápida e não permiti que o desconhecimento roubasse o meu amor incessante pela vida e foi assim que o conhecimento se tornou um grande motivador para a divulgação implacável de tudo que aprendo de novo.

Voltemos para a educação…

Convivo quase que diariamente com meus dois sobrinhos, crianças adoráveis de dois anos e um ano de idade, eles me ensinam todos os dias que preconceitos não existem, eles brincam comigo da mesma forma que com todos os outros tios e amigos da família, eles me olham naturalmente, sem a estranheza habitual dos olhares diários de outras pessoas.

Como faz bem me sentir plenamente inserida!

Lembro, então, de uma colega de trabalho que teve o privilégio de estudar em uma escola inclusiva e que tinha por melhores amigos um surdo e um cego.

Ela se tornou uma pessoa diferenciada devido a essa experiência, aprendi com ela que crescer conhecendo e admirando a força da diversidade nos torna pessoas melhores, pessoas mais humanas, mais sensíveis, menos egoístas e mais generosas.

Diante desses fatos, a minha inquietude habitual me fez procurar o Ministério Público de Pernambuco, o procurador em questão se mostrou super motivado com o tema da educação inclusiva, surpreendeu-me saber por ele que o debate a essa questão se deparava com professores que achavam que a presença de alunos deficientes em salas de aula do ensino regular prejudicaria os alunos tidos como “normais”, como também familiares super protetores queriam proteger excessivamente os filhos deficientes da convivência com outras crianças.

Mas o mundo é repleto da diversidade humana e conviver com ela vai aos poucos diminuindo o ciclo histórico de preconceitos e exclusão!

Repliquei ao promotor.

O promotor concordou e se comprometeu a continuar a discussão na sociedade sobre a sonhada escola inclusiva.

Isso posto, vamos as leis, discutidas com o Ministério Público e que garantem, pelo menos em teoria, a estruturação e aplicação da educação inclusiva: · Decreto Federal 3.298, de 20 de dezembro de 1999 – É assegurada a matrícula e a inclusão escolar de pessoas com deficiência em estabelecimentos de ensino regular; · Decreto Legislativo 186 de 2008 – Aprova o texto de convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência; · Lei Federal 10.098, de 19 de dezembro de 2000 – Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiências; · Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989 – Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, garantindo sua integração social; · Constituição Federal/1988 – Título VIII Da Ordem Social, Seção I – Da Educação, Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional aos deficientes, preferencialmente na rede regular de ensino.

Outrossim, evidencia-se uma série de conceitos articulados na legislação brasileira que preconizam a educação como prioridade para o desenvolvimento humano e inserido nesse aspecto a inserção deficiente nesse meio.

Nesse contexto, para a educação inclusiva, que aqui chamarei de escola PARATODOS, a sala de aula representa o espaço social que cria e recria espaços de convivência que concretiza todas as formas da diversidade e dessa forma contribui para o aprendizado de todos os agentes com suas experiências, dúvidas, desafios e sonhos.

Nesse ambiente, todos são desafiados a olhar e descobrir o mundo de um modo diferente, a descobrir e reinventar novas possibilidades de acesso ao conhecimento.

O sonho possível da escola PARATODOS compreende uma nova organização do espaço físico, que garanta a acessibilidade, como também uma nova estruturação da equipe de professores com projetos didáticos que explorem a capacidade e as habilidades de TODOS.

A escola PARATODOS no seu processo de internalização do conhecimento utiliza as relações sociais e possibilita que os deficientes participem dos bens culturais, tenha acesso à educação, ao trabalho e a um convívio ativo na sociedade.

A escola PARATODOS transforma as dificuldades em oportunidades e remete a um legado constituído por família, escola e sociedade.

A escola PARATODOS respeita as especificidades de cada um com ações pedagógicas que vislumbrem a inclusão ao currículo escolar comum e potencializa as múltiplas possibilidades que se instauram na sala de aula de modo a flexibilizar a estrutura e currículo para promover a integração da diversidade dos alunos a serem educados.

E eis que, finalmente, surge a luz no fim do túnel…

Provando que a escola PARATODOS é um sonho possível, o Brasil caminha, confesso que a passos lentos, nessa direção e em 2003 o Ministério da Educação lançou o Programa Educação Inclusiva: Direito a Diversidade, o objetivo geral do programa é garantir o acesso de todas as crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais ao sistema educacional público, bem como disseminar a política de construção de sistemas educacionais inclusivos e apoiar o processo de implementação nos municípios brasileiros.

Já temos bons frutos desse programa comprovados através dos dados do Censo Escolar/INEP, o qual registra o crescimento da matrícula de alunos com necessidades educativas especiais na rede regular de ensino tendo aumentado de 337.326 alunos, no ano de 1998 , para 640.317 em 2005 .

Essa evolução se reflete também no aumento de escolas da rede pública que registram matrículas de alunos com necessidades educativas especiais tendo aumentado de 4.498, em 1998, para 36.897 em 2005.

Em Recife, a Escola Municipal Padre Antônio Henrique pertencente a rede regular de ensino, pratica os conceitos de educação inclusiva e possui 26% dos seus alunos com algum tipo de deficiência.

A rede particular de ensino possui disseminadores do cenceito de Educação Inclusiva como por exemplo o Colégio Apoio e A Escola Encontro.

Finalizando, vou pedir ao meu amigo Chico Buarque a permissão para promover a parceria do seu conceito de unidade e igualdade de condições expressos em PARATODOS com o Coração de estudante de Milton Nascimento e cantar: …Já podaram seus momentos Desviaram seu destino Seu sorriso de menino Quantas vezes se escondeu Mas renova-se a esperança Nova aurora, cada dia E há que se cuidar do broto Pra que a vida nos dê Flor e fruto…

Nota do Blog - Quem é Manuela Dantas?

Manuela Dantas tem 32 anos e trabalha como engenheira civil, formada pela Universidade Federal de Pernambuco.

Em abril do ano passado, ela sofreu um grave acidente de trabalho.

O carro em que viajava para Salgueiro, nas obras da Transnordestina, capotou no interior do Ceará.

Teve politraumas, perfuração do pulmão, hemorragia interna e lesão raquimedular.

Tornou-se cadeirante desde então.

Poderia aposentar-se, pelas leis trabalhistas, mas não aceitou trilhar o caminho mais fácil.

Como nunca desistiu de lutar, agora também guerreia por uma vida com igualdade de condições para todos os deficientes físicos que enfrentam dificuldades diárias nas situações mais cotidianas.

A convite do Blog, Manuela escreverá semanalmente, para falar de cidadania e louvar o milagre da vida, conversando conosco.