Por Gustavo Krause “Silvio, como foi o fim de semana?” Ele abriu um sorriso e disse: “Bom demais.

Completou a prestação do carro.

Na sexta, duas corridas para Itamaracá.

No sábado, uma viagem para Caruaru e virei a noite transportando os filhos dos meus clientes nas baladas”.

Silvio é taxista, há trinta e cinco anos.

Mora em Abreu e Lima.

Faz sessenta e três anos que veio ao mundo.

Criou e educou cinco filhos, suando uma jornada de trabalho que vai das seis da manhã às nove da noite.

Na sexta e no sábado, troca a manhã pelos riscos do trabalho noturno.

Bem informado e sabido, tem uma carteira de clientes a quem faz questão de dar centavos de troco.

Tem mão de vaca que aceita.

Faz parte do negócio.

Em compensação, existem os que pagam a semana adiantado.

Um cidadão de bem.

O outro é Manoel.

Antigamente, a profissão era barbeiro.

Agora é cabeleireiro masculino.

Faz questão do adjetivo, cabra da peste do interior e fiel seguidor dos preceitos da Assembléia de Deus.

Cuidou do cabelo de muita gente chique no salão Suez e no Fígaro.

Continua firme de sábado a sábado com hora para começar e sem hora para terminar no salão Center Corte, Edifício Santa Rita.

Faz mais de quarenta anos que Manoel é testemunha do déficit das melenas que cultivei na juventude.

Hoje o couro é cada vez menos cabeludo e a testa mais avançada.

Reagiu à raspagem da minha barba, um elemento de identificação.

De fato, a pele escanhoada é, apenas, um autoengano diante do avanço do tempo.

Manoel criou e educou duas filhas.

Ganha o pão com suor do rosto e a habilidade das mãos.

Dignamente.

Como Silvio e Manoel, existem milhões de brasileiros, operários, profissionais liberais, micro, pequenos, médios, empresários e empreendedores de todos os tamanhos, professores, executivos, funcionários públicos que, honestamente, habitam Brasil de verdade e empurram para frente um país real de grandes possibilidades.

Em contrapartida, existe o Brasil da mentira, povoado por personagens asquerosos que se refugiam nas dobras das instituições; que se movimentam em direção ao poder como mariposas seduzidas pelo facho da luz; que entregam ao poder tudo, inclusive, a honra; que, nesta troca de costumes corrompidos, se alimentam, como parasitas, do Brasil de verdade, dele sugam a energia que produz para o bem coletivo e nele inoculam o veneno da desilusão.

Há um principio norteador do Brasil da mentira: o principio da razão cínica que se sustenta em dois pilares.

O pilar do pragmatismo salafrário, vagabundo, indecente que se traduz na conhecida máxima “cínico é o sujeito que sabe o preço de tudo e valor de nada”; o pilar da impunidade, o mais corrosivo vírus das virtudes cívicas ao propagar explicitamente que o crime compensa.

A impunidade avançou de tal forma que é legítimo afirmar que ela decorre (a) de um pacto político de convivência, conivência ou cumplicidade com o crime organizado; (b) da suspeita leniência das autoridades que têm o dever de punir (as que cumprem com o dever pagam com a própria vida); (c) proposital manutenção de brechas jurídico-processuais que resultam em proteger os criminosos.

Meu caro leitor, diante do quadro descrito, não é preciso dar nome aos bois.

Aliás, é uma verdadeira boiada.

Para conhecer os personagens, basta acompanhar o noticiário dos meios de comunicação.

O que acontece no Brasil reforça a convicção de um federalista americano (Thomas Jefferson) segundo o qual é preferível uma imprensa sem governo do que um governo sem imprensa.

E se a sociedade protestar nas ruas, restam motivos para manter viva a esperança.