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Leia a íntegra: Cara Diretora do CCJ-UFPE-Faculdade de Direito do Recife, Profa.

Dra.

Luciana Grassano Caros colegas docentes, Cumprimentando-os cordialmente, venho, preliminarmente, parabenizar nossa Diretora, Profa.

Luciana Grassano, por mais este importante passo na restauração de nossa casa, o prédio da Faculdade de Direito do Recife.

Um trabalho primoroso, bem conduzido e realizado que, sem dúvidas, nos trouxe mais que conforto.

Temos, atualmente, a satisfação de exercermos nosso ofício em um edifício dotado da dignidade que sempre lhe foi devida.

O cuidado deferido à nossa edificação tem reflexos largos, porquanto seja toda a sociedade beneficiária do resgate de integridade desse patrimônio histórico.

Assim, registro meus agradecimentos sinceros e fraternos, bem como o meu reconhecimento.

Por ocasião da Solenidade de Reabertura do Salã o Nobre, venho, ainda que comprendendo a circunstância de absoluta felicidade institucional, registrar meu singelo e firme protesto referente ao Conferencista brindado pela ocasião.

Foi no Salão Nobre que muitos de nós defenderam suas dissertações de mestrado, teses de doutorado, assistiram e participaram de debates acalourados;foi também neste salão que, em várias situações, professores e alunos reuniram-se simplesmente para exercerem o seu legítimo direito de pensar, dialogar e dar máxima expressão à própria idéia sobre a qual construimos, diariamente, a nossa Faculdade.

Todos esses fatos fazem parte da história da Faculdade de Direito do Recife, tão bem contada pelo saudoso Prof.

Dr.

Gláucio Veiga.

No volume 2 de sua obra sobre a história das idéias, das ações e do papel de nossa Faculdade, Prof.

Gláucio dedicou seu trabalho a todos aqueles que morreram porque ousaram pensar.

Em tempos difíceis, nossa Faculdade representou, ao m e nos no imaginário de muitos, um oásis onde era possível pensar!

Entrementes, sabemos que, nesses mes mos tempos, pensar na Faculdade tornou-se algo perigoso.

Sob as vistas dos ditadores, foram os professores e alunos da Faculdade vítimas preferenciais de restrições e toda sorte de agressões a direitos humanos.

Esses tempos, infelizmente, são reféns de nossa memória. É em nome dessa memória - que não podemos negligenciar- que apresento meus protestos referentes à eleição do ex-senador Marco Maciel como conferencista da ocasião de reabertura do Salão Nobre da Faculdade.

Entendo, com meus botões, que sua presença, em condição tal de honraria - e acredito ser de honra extrema proferir conferência no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Recife, em sua reabertura - fere a memória viva de lamentáveis fatos ocorridos na própria Faculdade no final da década de 60 e durante a década de 70.

Fere diretamente professores da casa, que, entà £o , foram perseguidos porque pensavam; fere professores que foram, inclusive, expulsos de casa, para torn arem-se estrangeiros em busca de Justiça em outros países, exilados da Faculdade; fere a mim, pessoalmente, que vivenciei a potencialidade lesiva da ditadura, e convivo com fotos de parentes que sequer tive oportunidade de conhecer, em cartazes de busca por desaparecidos afixados em nosso prédio .

Fere, por fim, em minha opinião, todos os nossos alunos que, sem experiências pessoais sobre esse período tenebroso, precisam de nossas memórias e de nossa voz para conhecerem esse mal absoluto que é a restrição da liberdade.

Não tenho nenhuma queixa pessoal dirigida ao ex-senador Marco Maciel para apresentar aqui.

O que tenho é a convicção e o conhecimento de sua trajetória política; nos tempos em que convivemos com a divisão entre ditadores e cidadãos, sei que nossa Faculdade ficou aliada aos cidadãos, postura contrária do Conferencista co nvidado.

Por certo, como acadêmica, não devo ter preconceito com idéias.

Mas a distânci a no tempo, pouco mais de 30 anos, apenas o tempo de minha vida, não pode ser suficiente para apagar de nossa história e memória o passado a que aludi.

Se, durante a ditadura, o maior desafio do cidadão era pensar e manifestar-se, hoje, penso eu, o que mais nos constrange é o dever de não calar, de não tolerar por comodidade e de não negligenciar nosso legado.

São tempos diferentes, é claro.

Os protestos desapareceram para dar lugar ao individualismo e à busca de conquistas patrimoniais.

Não há voz nas ruas ou nas praças. É o silêncio obsequioso, chamado de tolerância, que incomoda alguns poucos legatários de tanto sofrimento do passado.

Meu protesto, portanto, segue as diretrizes atuais: infelizmente a presença do conferencista constrange a mim, em tão alta medida, que não me permitirá participar desse momento hist óri co.

Protesto por meio dessas palavras, de minha ausência e de um pedido.

Se algum documento resultar d a solenidade da próxima segunda-feira, dia 03 de outubro, solicito que minha ausência seja registrada como forma de protesto silencioso e pacífico.

Eu não sei se nós teremos os benefícios de, dentre nós, haver um novo docente dedicado a contar a história da Faculdade de Direito do Recife, como fez o Prof.

Gláucio Veiga; mas, se houver, os relatos da próxima segunda-feira farão o histórico dos fatos passados nas décadas de 60 e 70 do século XX darem uivos de terror…o terror da superação das idéias e da liberdade pelo tempo; o terror da negligência da história dos que se foram, em nome do que agora está.

Cordialmente, Profa.

Dra.

Larissa Maria de Moraes Leal