Editorial do jornal O Estado de S.
Paulo À parte a surpresa de 17 senadores terem votado contra a homologação do nome da deputada Ana Arraes, do PSB pernambucano, para uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU), ante 48 a favor e uma abstenção, a ratificação era apenas, como sempre foi, uma formalidade.
Aos 64 anos, filha do lendário governador populista Miguel Arraes (1916-2005) e mãe do atual, Eduardo Campos, tendo sido no ano passado a candidata mais votada em seu Estado para a Câmara, ela não vinha propriamente se destacando no exercício do mandato.
Quaisquer que sejam os méritos de sua biografia e as qualificações para a função vitalícia que irá assumir, a sua escolha em votação secreta, prevalecendo sobre quatro outros candidatos - entre eles o ex-presidente da Casa Aldo Rebelo, do PC do B -, resultou exclusivamente do rolo compressor posto em marcha pelo filho.
Presidente nacional do PSB, reeleito para o governo de Pernambuco com 83% dos votos válidos, Campos vinha já emergindo, aos 46 anos, como o primeiro entre os seus pares da nova geração de políticos brasileiros. “Dudu Beleza”, como os conterrâneos o apelidaram, precisava, no entanto, de uma oportunidade para demonstrar poder e prestígio além dos limites de seu Estado e do Nordeste.
A vacância, por aposentadoria do titular, da cadeira do TCU que cabia à Câmara preencher, veio a calhar.
Patrocinou o nome da genitora e foi um filho exemplar como articulador político.
Mas não um exemplo para o decoro e a integridade das instituições políticas.
Criado como órgão de assessoria e fiscalização da Câmara, o TCU foi no passado um cabide de madeira de lei onde os governantes de turno penduravam as ambições de seus aliados a caminho do fim da carreira.
Uma reforma no sistema de nomeação de seus ministros, com a adoção de cotas para o Executivo e para o Legislativo, e a gradativa ampliação dos seus quadros técnicos tornaram o órgão mais matizado, logo menos dependente dos interesses dos padrinhos de seus membros, além de mais apto a identificar irregularidades em obras e serviços contratados pelo governo federal.
O prestígio público do Tribunal cresceu com a multiplicação das fraudes reveladas e das recomendações para a suspensão das empreitadas até que os seus vícios fossem sanados.
O que, para surpresa de ninguém, levou o então presidente Lula a fazer uma campanha contra o que seria o excessivo rigor das decisões do colegiado.
A propósito, também a futura ministra Ana Arraes acha que “é preciso rever essa questão, porque a paralisação (de obras) às vezes sai mais cara do que a continuação com retificação (dos ilícitos apurados)”.
Contrastando com o fortalecimento do caráter republicano da instituição, a operação filial desencadeada por Eduardo Campos - que chegou a se instalar com armas e bagagens em Brasília - foi uma exibição de coronelismo à moda antiga, cultive ele quanto queira o perfil de gestor moderno e político de novos costumes.
Ele rodou o País, fazendo saber aos líderes regionais que, já nas eleições municipais do próximo ano, colocará a sua influência a serviço dos candidatos que, direta ou indiretamente, tiverem ajudado a eleger a sua genitora.
Repetiu a dose à exaustão na capital federal.
O senador tucano Aécio Neves, que vê em Campos um possível companheiro numa chapa presidencial, engajou-se na campanha de Ana.
Assim também o seu sucessor no Executivo de Minas, Antonio Anastasia, e os governadores tucanos de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Paraná, Beto Richa.
Sem falar no ex-presidente Lula.
A sua interferência impediu que o comando petista na Câmara ordenasse o fechamento da questão em torno de Aldo Rebelo; o voto da bancada foi liberado.
Campos fincou posições também no PMDB, ao prometer o apoio socialista à pretensão do partido do vice Michel Temer de ficar com a presidência da Casa em 2013.
O PSB prometeu liberar emendas que dependem do Ministério da Integração Regional, controlado pela legenda.
E, para facilitar a vitória da mãe, Campos manobrou para manter na disputa candidatos sem chances.
Foi, nas palavras do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, dissidente do PMDB, “um exemplo do vale-tudo na política”.