Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo “Não é o combustível dos sonhos de ninguém, mas é um investimento de R$ 2 bilhões”.
Esta é a declaração do Secretário de Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco, publicada no JC, edição de 17 de setembro, em resposta aos argumentos dos ambientalistas e engenheiros do setor elétrico sobre os impactos poluentes da Usina Termelétrica Suape III.
A mencionada resposta traduz em toda extensão o embate político que permeia o projeto da civilização industrial diante do enorme passivo ambiental gerado pelo crescimento econômico a qualquer preço e a ameaça de sobrevivência da humanidade em razão da ultrapassagem dos limites biofísicos do Planeta.
Trata-se de um embate desigual.
De um lado, o discurso “desenvolvimentista” precifica a iniciativa: investimento, emprego, crescimento do PIB, círculo virtuoso da economia e por aí vai, defendidos por uma lógica férrea, palpável, mensurável, dos interesses concretos, legitimamente representados.
Do outro lado, estão as vozes que levam em consideração princípios, valores (nem sempre mensuráveis) e o que é mais sensível, porém, menos palpável e audível: os interesses difusos das futuras gerações que não falam, não votam, não gritam, mas que serão submetidos, mais cedo ou mais tarde, ao ritual taoísta em que a natureza transforma seres humanos em cachorros de palha, metáfora que inspirou o título do livro de autoria do grande pensador inglês John Gray.
No debate, então, as etiquetas fajutas inibem a fértil discussão porque opõem falsamente “desenvolvimentistas” e “antidesenvolvimentistas”, a estreiteza do economicismo e a intransigência do ecologismo.
O resultado é que o debate passa ao largo da centralidade da questão que é a discussão sobre as fontes de energia que movem a vida e a produção do Planeta sem comprometer sua saúde cuja febre em alta, ou seja, o aquecimento global é um grave sintoma.
Esta questão é tão séria que é indispensável invocar as idéias de um dos maiores intelectuais do nosso e de todos os tempos, o cientista e ecologista James Lovelock que, na década de setenta, revolucionaram as teorias dominantes ao formular a Hipótese Gaia (Gaia ou Gé, personificação da Terra na mitologia grega) segundo a qual “Gaia é um invólucro esférico fino de matéria que cerca o interior incandescente […]um sistema fisiológico porque parece dotada do objetivo inconsciente de regular o clima e a química em estado confortável para vida […]funciona como um sistema vivo capaz de regular a composição atmosférica, clima e salinidade dos mares o que o mantém sempre adequado para a vida”.
Pois bem, Lovelock, “o herói do ecologismo”, o “Gandhi da ciência”, diante da armadilha do aquecimento global e da evidência de que “o mundo ultrapassou o ponto do não retorno quanto às mudanças climáticas e a civilização como a conhecem dificilmente irá sobreviver”, surpreendeu o mundo, indignou os seus aliados históricos, em 2004, ao afirmar que só “a energia nuclear (fissão nuclear controlada) pode deter o aquecimento global, como alternativa real aos combustíveis fósseis, para suprir a enorme necessidade da humanidade sem aumentar a emissão de gases causadores do efeito estufa”.
O remédio para o choque do leitor é ler atentamente o livro desse notável cientista de 92 anos, A vingança de Gaia (Rio de Janeiro, ed.
Intrínseca, 2006), sem preconceitos de modo a perceber as razões de Lovelock frente à gravidade do problema.
Pelo menos, é possível chegar a algumas conclusões: o Brasil caminha na contramão da humanidade que busca se libertar das drogas energéticas que contaminam a saúde do Planeta Terra; a experiência global revela os efeitos deletérios da queima do refugo ultraviscoso do óleo diesel para produzir energia elétrica (da chuva ácida à intoxicação dos pulmões); a questão central não é mitigar efeitos (filtros caríssimos), conforme determina a legislação, mas insistir na solução que, reconhecidamente, afeta as pessoas, o meio ambiente e transforma o discurso da sustentabilidade em mistificação retórica.
Não se põem em dúvida os indicadores que quantificam o PIB pernambucano: não se suspeitam dos propósitos democráticos dos que governam o Estado; o que se espera, portanto, é que o debate não se limite ao restrito círculo dos técnicos no assunto, chegue ao cidadão, ao ecocidadão, para que nós possamos ter a noção exata do que estamos legando às futuras gerações.