Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague Pelo prazer de chorar e pelo “estamos aí” Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir Um crime pra comentar e um samba pra distrair Deus lhe pague Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir E pelo grito demente que nos ajuda a fugir Deus lhe pague (Chico Buarque) Meu caro amigo Chico me perdoe, por favor, se não lhe faço uma visita, mas como agora apareceu um portador mando notícias nesse blog.

Aqui em Recife tão jogando futebol, tem muito samba muito choro e rock’n’roll, uns dias chovem, noutros dias bate sol, mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui ta preta. É pirueta pra cavar o ganha-pão, que a gente vai cavando só de birra, só de sarro…

Ninguém segura esse rojão.

Lei 8213/91 de 24/07/1991.

Art. 93 - a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção: - até 200 funcionários……………… 2% - de 201 a 500 funcionários……….. 3% - de 501 a 1000 funcionários……… 4% - de 1001 em diante funcionários… 5% Ler o famoso art. 93 da lei 8213/91 me remeteu instantaneamente para a constituição federal de 1988 que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e inclui o direito ao trabalho como um dos direitos sociais estabelecidos.

Como também lembrei paralelamente da declaração universal dos direitos do homem e do cidadão que promulgou, em 1948, que todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

Isso posto, foi contraditória, mas verdadeira, a informação da Fundação Getulio Vargas (FGV, 2003) que expõe o fato de num universo de 26 milhões de trabalhadores no Brasil, apenas 2,05% são pessoas com deficiência, representando 537 mil pessoas.

Se pensarmos que existem, aproximadamente, 16 milhões de deficientes no Brasil e que apenas 3,36% deles estão trabalhando, concluímos rapidamente que essa inserção no mercado de trabalho ainda é muito pequena se considerarmos que todos os deficientes têm os mesmos direitos e deveres que qualquer cidadão brasileiro.

Outrossim, recordei o quão importante para meu retorno a vida real foi o inicio das minhas atividades no trabalho.

Como é importante produzir e se sentir útil a sociedade para a manutenção das plenas atividades da mente!

Iniciei a trabalhar voluntariamente, ainda internada no hospital Albert Einstein e 6 meses após o acidente, através do desenvolvimento do projeto Novos Horizontes para ampliação, modernização e capacitação do Centro de Reabilitação do IMIP.

Esse projeto se tornou uma missão que me impedia de cair toda vez que a vida me dizia não.

Confesso que, para uma pessoa ansiosa como eu, foram incontáveis os nãos superados.

Posteriormente, quando oito meses depois do acidente, fui ao INSS solicitar alta para retornar ao trabalho, surpreendeu-me ver o médico me questionar, visivelmente preocupado, se não seria melhor que eu me aposentasse e continuasse o tratamento, como também, ao ver a minha firmeza de posição quanto à decisão de retornar imediatamente ao trabalho, a permanência do questionamento do mesmo, sugerindo eu estar sendo pressionada pela empresa para esse retorno.

Não sabia ele que trabalho em uma empresa que considera seus funcionários o seu maior bem e que ela me proporcionava o melhor tratamento possível e iria continuar realizando esse tratamento e trabalhando.

A verdade é que eu percebi que o trabalho era a maneira mais poderosa de eu me sentir realmente reabilitada, viva, ativa, afinal um ente pertencente e participante da sociedade em que estou inserida e eu não iria trocar essa ótima sensação por uma aposentadoria por invalidez, aliais detesto esse termo, ou por um jazigo em vida, nem tampouco por uma prisão domiciliar.

Não seria justo comigo mesma aposentar todos os meus sonhos e projetos ainda não conquistados.

A minha limitação de locomoção não me impediria de voar bem alto.

No entanto, aterrisei na realidade brasileira de que a maioria dos deficientes, mais de 90% dos mesmos pertencem as classes C, D e E, não pôde ter acesso ao intenso tratamento de reabilitação a que fui submetida, como também a maioria deles não pôde ter acesso a formação superior em um país que tem apenas 5% da sua população com esse nível de formação.

Pois bem, fui ao meu local de pesquisa habitual, o Centro de Reabilitação, questionei a coordenadora do mesmo sobre a inclusão no trabalho dos seus pacientes, pois eu sabia, como ninguém, que o trabalho é uma força poderosa para devolver a auto-estima e principalmente manter a mente em pleno funcionamento e impedi-la de entrar em ambientes escuros, solitários e tristes.

A coordenadora do Centro me disse tristemente que todos os adultos em reabilitação no centro estavam aposentados e a maioria das crianças também, explicou-me que os cadeirantes se viam constantemente frustrados em entrevistas de emprego e que muitos estavam em depressão.

Ela me explicou que faltavam programas para a capacitação e requalificação de deficientes e que muitos deles tinham receio de “sair do benefício”, que lhes garantia a compra dos medicamentos e materiais de procedimentos que necessitam utilizar, para trabalhar sem garantia de permanência, tendo que enfrentar ambientes não acessíveis, sendo vítimas de preconceitos, sem transporte adequado e calçadas não acessíveis.

A falta de auto-estima dos meus colegas não me surpreendeu diante de uma realidade historicamente excludente, mas insisto imensamente com a mudança desse posicionamento complacente, pois só com a presença cada vez maior dos deficientes nos ambientes sociais poderemos nos ver como peças impulsionadoras de uma mudança na sociedade e da verdadeira inclusão de deficientes como agentes atuantes e responsáveis no país e pelo país.

Então diante dessa triste realidade, decidimos juntas estruturarmos um projeto de capacitação e inclusão no trabalho de deficientes inserido em um programa de seleção e inserção no trabalho na empresa em que trabalho, com planos de expansão futura do projeto para outras empresas.

Nesse projeto tanto o ambiente de trabalho quanto os deficientes serão preparados para adequação de acessibilidade, definição de cargos e capacitação para os mesmos, serão promovidos plano de carreira compatível com as habilidades profissionais dos participantes, o recrutamento será realizado por meritocracia e principalmente o projeto posiciona a inclusão no trabalho como o forte instrumento de integração social que deve ser.

Os meus colegas deficientes se animaram com o projeto, todos queriam participar do mesmo, inclusive uma linda moça tetraplégica, com poucos movimentos, mas com uma cabeça brilhante.

Ela, mesmo com formação superior, estava há oito anos sem trabalhar e não queria pedir o “favor” de empregá-la para o irmão empresário.

Não sabe ela que um dos maiores poderes do mundo é o conhecimento e isso ela tinha de sobra e podia contribuir para a sociedade utilizando esse conhecimento em treinamentos, palestras, participando de reuniões e colaborando com suas ótimas idéias.

Afinal, o maior, o melhor e o mais perfeito movimento somente é atingido por uma mente brilhante, sábio Einstein que entendeu isso como ninguém e que povoa minha escrivaninha com a frase “A vida é como andar de bicicleta, tem que estar em constante movimento para manter o equilíbrio”.

Palmas para Albert Einstein e palmas para minha mãe que sempre falou “mente vazia, oficina do diabo”, sábio conhecimento popular que na sua simplicidade nos diz que trabalhar enobrece o homem e o tira de caminhos obscuros, vícios pífios e hábitos ilícitos.

Talvez estar trabalhando pudesse ter evitado a triste morte (suicídio) de um jovem rapaz que se recuperava no centro…

Dessa forma, decidi a questionar vários gestores e entender os dois lados da moeda, afinal toda história sempre tem dois lados!

Os mesmos me relataram que a maioria dos deficientes não tinha a qualificação necessária para os empregos oferecidos.

Lembrei, então, de um belo rapaz cadeirante, meu contemporâneo na universidade de engenharia, soube que o mesmo, apesar de inteligente, não se formou, pois a universidade não oferecia as condições necessárias de acessibilidade que precisava.

Lembrei também de um professor doutor brilhante e cego que constituía os quadros de outra universidade.

Lembrei também de um gentil rapaz surdo formado em administração que trabalha há 4 anos na mesma empresa, mas apesar de sua capacidade intelectual não conseguia promoções devido a sua limitação de comunicação.

Agora falando sério, eu queria lhes contar a cantiga bonita que se acredita que o mal espante…

Pois é, nessa cantiga apelo novamente para a sociedade, para os deficientes que fazem parte dela, para os gestores públicos, para os políticos em geral, para os empresários, para os gestores de empresas privadas, para todos…

Uni-vos!

Vamos juntos impulsionar a transformação da nossa sociedade e do nosso ambiente em um local que abrigue, generosamente, todos, sem distinção.

Agora falando mais sério ainda, continuo pregando que a luta pela inclusão de deficientes não é só de um grupo, mas de toda a sociedade, todos nós temos responsabilidades sociais e não podemos continuar alheios a isso.

Precisamos de escolas inclusivas, de cursos técnicos acessíveis e de universidades para todos de modo a promoverem a qualificação e serem uma ferramenta de acesso a cidadania sem exclusão.

Rogo aos empresários, e seus órgão de capacitação profissional e qualificação (SESI, SESC, SENAI) que promovam em vossas empresas programas de inclusão de deficientes no mercado de trabalho, mas que não sirvam apenas ao propósito de cumprimento das cotas exigidas por lei, mas sim estejam enraizados na necessidade de contribuição para o desenvolvimento humano, integração, retenção, capacitação e acessibilidade a cidadania por deficientes.

Rogo aos governantes que incentivem essas práticas, que apóiem e criem programas de capacitação de deficientes, que promovam programas de acessibilidade em órgãos federais, estaduais e municipais.

Rogo a sociedade por mais oportunidades para deficientes.

Lembro que temos uma taxa de 17,4% de deficientes em Pernambuco e que desses 48,9% possuem idades entre 20 e 59 anos, ou seja, idade economicamente ativa para o trabalho, portanto toda essa gente deveria estar produzindo, gerando resultados, movendo a economia e de forma alguma aumentando as contas da precária e endividada previdência social.

Rogo a sociedade civil pelo respeito ao direito de acesso ao trabalho pelos deficientes, já que essa inclusão é fundamental para a consolidação da democracia, baseada em padrões que incluam 15% da população nacional constituída por deficientes e que lembremos sempre que todos somos cidadãos e que as desigualdades sociais, preconceitos e barreiras atitudinais excludentes não são mais tolerados pelos Homens que somos e que queremos nos tornar.

Rogo para que a sociedade civil, composta por deficientes, por não deficientes, pelos gestores públicos, pelos empresários não sejam deficientes em atitudes e assumam uma postura proativa e responsável para a promoção da inclusão social, política e econômica de deficientes.

Por fim, entendo que Lance Armstrong acertou ao nos presentear com a frase “Unity is strength, knowledge is power and attitude is everything”.

União é força, conhecimento é poder e atitude é tudo!

Por isso tudo…

Deus lhe pague…

Nota do Blog - Quem é Manuela Dantas?

Manuela Dantas tem 32 anos e trabalha como engenheira civil, formada pela Universidade Federal de Pernambuco.

Em abril do ano passado, ela sofreu um grave acidente de trabalho.

O carro em que viajava para Salgueiro, nas obras da Transnordestina, capotou no interior do Ceará.

Teve politraumas, perfuração do pulmão, hemorragia interna e lesão raquimedular.

Tornou-se cadeirante desde então.

Poderia aposentar-se, pelas leis trabalhistas, mas não aceitou trilhar o caminho mais fácil.

Como nunca desistiu de lutar, agora também guerreia por uma vida com igualdade de condições para todos os deficientes físicos que enfrentam dificuldades diárias nas situações mais cotidianas.

A convite do Blog, Manuela escreve semanalmente, p