A entevista abaixo foi publicada originalmente no Jornal do Commércio de domingo (11).

JC - O senhor já foi militante da esquerda radical, e hoje ocupa um cargo que exige muito jogo de cintura.

Esse seu passado ainda interfere quando é preciso negociar?

COSTA - O meu passado me mantém com firmeza ideológica e vontade de transformar a cidade.

Eu disse, quando tomei posse, que meu governo não seria só do PT, mas da Frente do Recife.

Essa coalizão de partidos é que dá sustentação política para as mudanças no País, no Estado ou na cidade.

No Recife, o PT coordena o governo, mas tem que levar em conta os interesses e a representação política dessas forças.

Além disso, temos que ter uma relação direta com a sociedade, para que ela também dê apoio às ações do governo.

Até porque, a maioria dos partidos tem fragilidades do ponto de vista da legitimidade social.

JC - As críticas à sua administração mexem com seu humor?

COSTA - Eu procuro na crítica o que há de positivo para corrigir minhas ações.

Nem toda crítica é um ataque político ao prefeito.

O cidadão que cai em um buraco fica tão chateado quanto eu fico, porque também sou cidadão.

A diferença é que ele pode xingar a mãe do prefeito, e eu não (risos)…

O Recife tem mais de 12 mil ruas, e mesmo com todo o nosso esforço não vamos estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Então, quando o cidadão nos alerta sobre um problema, encaramos como uma contribuição e tentamos corrigir.

Agora, as críticas com interesse único de nos desgastar, eu tenho que absorver. Às vezes levo isso com bom humor, e às vezes, como um alerta.

JC - O senhor está mais próximo do governador Eduardo Campos (PSB) nesta segunda metade da gestão. É por causa das eleições ou há uma preocupação dele em ajudá-lo administrativamente?

COSTA - Há um compromisso do governador com o Recife, que é o coração de Pernambuco.

Essa nova estruturação econômica não existe sem a participação ativa do Recife.

Para cada emprego gerado no setor industrial, são gerados dois empregos no setor de serviço no Recife.

Temos uma expansão que demanda uma infraestrutura da cidade compatível com isso.

Não se tem um polo industrial sem ter no Recife um polo de serviços moderno, gerando emprego e renda.

Agora, quando há afinidade de projetos entre prefeito, governador e presidente, e os resultados são bons, ganha todo mundo.

Se estamos do mesmo lado e trabalhando em sinergia, vai haver dividendos eleitorais para todos.

JC - O senhor foi deputado estadual e é prefeito há quase três anos.

Já dá para se considerar um político ou ainda se vê como um técnico?

COSTA - Para ser um bom político tem que ter conhecimento técnico.

Assim como para ser bom gestor, tem que ser político.

Esse convencimento, que eu já tinha, hoje é bem maior.

Estou na fase de ser um bom político.

JC - Qual o maior acerto e o maior erro da sua gestão?

COSTA - Alguns problemas foram menos erros voluntários e mais coisa de começo de gestão.

Como a dificuldade na coleta de lixo, no primeiro ano, que trouxe consequências que até hoje procuramos recuperar.

Aquilo impactou muito o começo da gestão.

Como maior acerto, demos consistência a um conjunto de políticas que já vinham dos oito primeiros anos, contribuindo para ampliar o espaço de participação da sociedade.

Nenhum governo, hoje, tem condições de enfrentar os desafios de uma cidade sem um amplo processo de participação popular.

JC - Que prazo o senhor estabeleceu para assumir um comportamento mais político para as eleições?

COSTA - As duas coisas estão juntas.

A população ainda não percebeu, de forma majoritária, o meu papel de gestor.

Estou tendo a oportunidade agora de fazer isso com a implantação da Via Mangue, do Projeto Capibaribe Melhor, do reordenamento da cidade, das políticas de enfrentamento do trânsito.

Estamos fazendo ações imediatas, como a modernização dos semáforos, reestruturando a CTTU e ampliando o número de agentes de trânsito.

Mas também temos obras grandes, como a duplicação do viaduto Capitão Temudo, a Via Mangue saindo do papel, a paralela da Imbiribeira.

Sou prefeito até 2012.

A roupa de candidato só vestirei no momento adequado.

A possibilidade de reeleição é colocada na medida em que meu governo fique melhor a cada dia.

Aí, a vontade da população de continuar sob meu comando ficará maior.

JC - Como o senhor analisa a Mesa da Unidade que as oposições montaram para fiscalizar a gestão?

COSTA - Oposição, num regime democrático, é necessária.

Mas na medida em que contribua com um projeto para a cidade.

O PT, na oposição, tinha um projeto para o Brasil, assim como tinha para o Recife.

Nós dizíamos o que íamos fazer, as nossas prioridades.

Acho que é isso que a oposição tem que fazer.

Quanto à tática de estar junta ou separada, não sou eu quem tem que julgar isso.

JC - A direção nacional do PT colocou obstáculos para a escolha dos candidatos por prévias.

Isso o deixou mais aliviado, ou o senhor considera seu espaço para 2012 consolidado?

COSTA - Não se colocou dificuldades para as prévias.

O que há é uma maturidade do PT.

O estatuto diz que qualquer filiado pode ser candidato, e tendo mais de um, pode ter prévias.

Mas com o PT no governo, isso causava certas dificuldades, como foi no caso de Eduardo Suplicy disputando a indicação com Lula, que era candidato à reeleição.

Era uma prévia desnecessária.

A nova resolução diz que, quando o partido está no governo e dois terços decidem que não haverá prévia, a decisão é levada ao encontro do partido.

Isso preserva a democracia interna.

Então, não é questão de me deixar aliviado, porque isso não foi feito para mim, mas para o partido.

JC - O senhor passou metade da gestão tentando se desvencilhar da herança de João Paulo.

Já conseguiu imprimir sua marca no Recife?

COSTA - Primeiro, eu não procurei em nenhum momento me desvencilhar de uma herança que eu também construí.

Não é só de João Paulo, porque eu era secretário dele.

João Paulo deu uma grande contribuição, e eu reconheço isso sempre.

Agora, é resultado do trabalho de outros companheiros do PT e de outros partidos, porque ninguém ganhou isso aqui sozinho.

Nós ganhamos com o apoio do PSB, com o apoio de Miguel Arraes em 2000, com o apoio de Eduardo Campos depois, com o apoio do PDT, do PTB, do PCdoB. É uma herança coletiva e eu tenho que ter responsabilidade com ela e com a população.

Como gestor e como político, tenho que imprimir uma marca identificada com o que eu penso.

Quero deixar uma marca de modernidade, de planejamento do futuro.

Por exemplo, quando eu penso em Via Mangue, não penso que ela vai ser concluída dentro dos meus quatro anos de mandato.

Quando vamos a Brasília buscar recursos para novos projetos, eles vão começar agora e não vão acabar em 2012.

Tenho que pensar no futuro da cidade para que ela esteja preparada para quando a refinaria, a montadora da Fiat e outras empresas estiverem prontas.

Pernambuco vai vivenciar, daqui a três ou quatro anos, um apogeu econômico como nunca teve.

E as pessoas perceberão que deixei a minha marca ao planejar a cidade.

JC - No início do seu mandato, eu perguntei se o senhor pretendia formar um grupo político dentro do PT, como têm o senador Humberto Costa e o ex-prefeito João Paulo.

Deu tempo de montar esse grupo?

COSTA - O PT vive um momento diferente.

Há uma grande unidade sobre as estratégias do partido, um distensionamento.

Eu tenho conversado com muita gente no PT sobre o partido, seu papel com os aliados, com a cidade e o País.

E isso vai criando sintonia com algumas pessoas que pensam como eu.

Mas não tomou forma de grupo ou tendência.

Acho que o funcionamento das tendências hoje, com esse engessamento de blocos nas disputas internas, não faz mais sentido.

Se há um consenso, essas coisas são secundarizadas.

Não vou montar grupo para disputar dentro do PT.

Quero me relacionar com quem pensa numa política para o Recife, para Pernambuco, para o Brasil.

Venho conversando, e isso vai atraindo um círculo de pessoas que lá na frente pode se transformar em algo mais consistente.

Mas não é meu objetivo político.

JC - O rompimento com João Paulo é pessoal ou político?

COSTA - Da minha parte nunca esteve no campo pessoal.

E diria que também nunca esteve no campo político, senão nós estaríamos em partidos diferentes.

Nós tivemos divergências sobre como encaminhar o processo administrativo na prefeitura, que se transformaram num distanciamento.

E cabe a nós criar condições para voltarmos a conversar, já que fazemos parte do mesmo projeto político.

Nada do que eu fiz aqui é diferente do que foi feito antes.

Eu procurei dar continuidade e avançar em algumas coisas.

Houve aprofundamento na política habitacional, na política ambiental, no orçamento participativo.

Hoje temos condições de retomar uma política de manutenção e conservação da cidade melhor que antes, em função de problemas financeiros que enfrentamos.

E captamos recursos como nunca antes no Recife.

Um bilhão de reais para obras de infraestrutura urbana, saneamento, pavimentação, macrodrenagem.

O governo federal está liberando 800 milhões de reais para obras de mobilidade urbana.

E tem a Via Mangue.

No total, há uma carteira de projetos de quase dois bilhões de reais captados no meu governo.

Isso está começando e vai estar materializado daqui a três ou quatro anos. É um projeto político que começou em 2001 e eu dei continuidade no meu governo.

Então, não há rompimento político.

JC - O senhor aposta que João Paulo fica no PT?

COSTA - Eu acho que sim.

Nós construímos juntos nossa trajetória no PT.

Se não fosse o PT no Brasil, a partir da década de 80, um ex-operário como João Paulo ou um ex-militante do movimento estudantil como eu não estariam hoje governando o Recife.

Foi a história do PT, a mudança na sociedade brasileira, a estruturação de movimentos sociais que nos permitiram estar aqui.

Somos devedores dessa história, somos filhos dela.

Acho difícil romper com isso para construir outra coisa.

Não se trata da figura de João da Costa ou João Paulo.

Somos frutos de um processo que quer que continuemos juntos, transformando as coisas.

JC - Se ele ficar, o senhor aposta no apoio dele à sua reeleição?

COSTA - Vamos discutir isso no próximo ano.

Eu, como condutor do processo, e o governador, que coordena a frente no Estado, vamos procurar os partidos e forças políticas para construir a unidade, para que não se desarrume o que está dando certo.

Se João Paulo for para outro partido do nosso campo ele será chamado da mesma forma.

Mas continuo acreditando que, com todas as dificuldades, ele ficará no PT.

E o PT sempre foi assim: nós divergimos, exercitamos as diferenças.

Não existe nada tão rico na política.

E somos protagonistas de mudanças importantes que construímos nos últimos dez anos no Recife.