Por Manuela Dantas, especial para o Blog de Jamildo Ando com minha cabeça já pelas tabelas, claro que ninguém se toca com a minha aflição…
Pois é meus amigos, considero que já posso chamá-los assim, hoje a indignação se apoderou do meu espírito inquieto, afinal quem lhes disse que eu era riso sempre, nunca pranto?
Foi assim que uma lágrima de decepção insistiu em descer pelo meu rosto, não pela minha condição atual de deficiente físico, mas pelas atitudes desrespeitosas e excludentes que somos obrigados a vivenciar diariamente.
Pois bem, em abril desse ano voltei para Recife, depois de 1 ano do acidente e de 10 meses de tratamento contínuo em São Paulo, voltei com os olhos brilhando e o coração repleto de esperança, afinal estava voltando para o meu lar, para a minha terra, para o meu povo.
Acreditava que esse conjunto iria alavancar minhas forças para o meu retorno a vida real e ao convívio de todos.
Voltei Recife, foi à saudade que me trouxe pelo braço…
Cantarolava essa doce melodia de Capiba, incansavelmente, e ela me transportava para um ambiente mágico e lúdico, aonde a nota principal era a alegria.
Qual o quê!
Iniciei imediatamente a minha rotina diária de trabalho e passei a utilizar o taxi como meio de transporte para minhas idas e vindas, tudo ia bem até eu descobrir que quando solicito o taxi e indico, verdadeiramente, que sou cadeirante o mesmo leva um tempo cinco vezes superior ao de pessoas não deficientes.
Mas, como manter meus compromissos de trabalho naquela situação?
Escrevi para o SAC da empresa de taxi, afinal uma empresa séria tem que valorizar os seus clientes de modo igualitário.
Descubro, estupefata, que Recife não tem taxi acessível e que as empresas existentes se propõe a transportar cadeirantes, porém em apenas 10% de sua frota.
Não me convenci quanto a essa discriminação no atendimento, já que quem deve decidir o tipo de taxi que precisa é o cliente e não o prestador de serviço, o qual deve oferecer um tratamento justo e igualitário a todos, afinal temos um código de defesa do consumidor que preconiza tal relação.
Minha indignação cresceu.
Mande qualquer taxi, por favor, gritei!
Mas não acabou por aí, ao descer para a garagem com o intuito de embarcar no taxi, solicitado há mais de 1 hora, o qual me levaria ao trabalho, o mesmo tinha ido embora e deixado com o porteiro apenas o comentário preconceituoso: “Não levo cadeirantes”.
Enfim, esse evento continuou a acontecer inúmeras vezes…
Chico Buarque continuava repetindo, incansavelmente, na minha mente: “Ninguém, ninguém vai me segurar, ninguém há de me fechar as portas do coração, ninguém, ninguém vai me sujeitar a trancar no peito a minha paixão…” .
A dificuldade com o transporte não iria conseguir me segurar dentro de casa, não iria fazer com que eu desistisse de trabalhar, de visitar meus amigos, de ter acesso ao lazer, de ser uma cidadã que vive dignamente e que tem DIREITO a ter acesso a um sistema de transporte que garanta a continuidade a vida, sendo cadeirante.
Fui para o Centro de Reabilitação para entender como era o ir e vir dos meus colegas cadeirantes.
Descobri que a maioria vai para as sessões de fisioterapia de ônibus e levam 2, 3, 4 horas para chegar ao hospital!
Os ônibus acessíveis são insuficientes!
Brada um colega cadeirante.
Os motoristas não ajudam a nos posicionarmos no ônibus e nos orientam de forma grosseira!
Alega outro.
Os motoristas fingem que não nos vêem!
Grita o terceiro.
Não existem rampas nas calçadas dos pontos de ônibus!
Reclama o quarto.
Os ônibus acessíveis tem apenas 1 lugar para cadeirante e dessa forma o tempo de espera é longo!
Grita o quinto.
Por fim, uma linda moça comenta que os elevadores para cadeirantes dos “ônibus acessíveis” vivem quebrados e já faltou várias terapias devido a esse fato.
Não me admira mais o fato de não ver cadeirantes nas ruas, nos shoppings, nas praças, trabalhando!
Enrubesci de horror…
Outrossim, na região metropolitana do Recife existem 50.000 deficientes físicos motores, que necessitam desse transporte, tendo em vista que 95,9% dos deficientes em Pernambuco pertencem as classes C, D e E.
Questionei-me: Onde estão os Direitos Humanos?
Onde está a Constituição Federal?
Onde estão os Direitos dos Consumidores?
Esquecidos…
Ignorados…
Não respeitados…
Não fiscalizados…
Não aplicados…
Voltei para casa e chorei…
Aquelas pessoas não queriam piedade, queriam respeito, aquelas pessoas não queriam favor, queriam a preservação dos seus direitos, aquelas pessoas não queriam desdém, queriam amor, aquelas pessoas não queriam omissão, queriam justiça…
Esse brado rouco sufocava em minha alma…
Como entender que seres HUMANOS se comportassem daquela maneira pífia com pessoas que lutam por suas vidas, guerreiam por cidadania e brigam por oportunidade?
Prefiro não entender!
Prefiro acreditar no sentimento instintivo e generoso do meu sobrinho que com 2 anos corre para me ajudar a subir uma rampa demasiadamente inclinada.
Prefiro acreditar que podemos reverter essa situação e investir no desenvolvimento humano do nosso povo em um país que cresce economicamente, mas que a educação não acompanha o mesmo ritmo de ascensão.
Para não dizer que não falei de flores, surge no horizonte a esperança da mudança dessa realidade, já que no dia 29 de agosto de 2011 o transporte público da Grande Recife incluiu mais 17 ônibus acessíveis na frota e totalizou 1143 ônibus acessíveis.
Ainda não é suficiente!
Mas, o governo federal já decretou que até 2013 todos os transportes públicos devem ser acessíveis.
Aliás, vi entusiasmada em Recife o primeiro carro do Pernambuco Conduz, programa que foi lançado no dia 23 de agosto de 2011, o qual é um serviço gratuito para o transporte de pessoas com deficiência motora e com alto grau de comprometimento dos movimentos para realização de tratamentos de saúde e reabilitação.
Por fim, já sonho com o Pernambuco Conduz transportando deficientes ao trabalho, às praças, às igrejas, à vida e sendo efetivamente uma ferramenta de inclusão social.
Iniciei o meu terceiro artigo com Chico Buarque e termino com os trechos da música de outro gênio, Gonzaguinha: Fé na vida!
Fé no homem!
Fé no que virá!
Nós podemos muito!
Nós podemos mais!
Vamos lá para ver o que será!
Pois é, e então…
Nota do Blog - Quem é Manuela Dantas?
Manuela Dantas tem 32 anos e trabalha como engenheira civil, formada pela Universidade Federal de Pernambuco.
Em abril do ano passado, ela sofreu um grave acidente de trabalho.
O carro em que viajava para Salgueiro, nas obras da Transnordestina, capotou no interior do Ceará.
Teve politraumas, perfuração do pulmão, hemorragia interna e lesão raquimedular.
Tornou-se cadeirante desde então.
Poderia aposentar-se, pelas leis trabalhistas, mas não aceitou trilhar o caminho mais fácil.
Como nunca desistiu de lutar, agora também guerreia por uma vida com igualdade de condições para todos os deficientes físicos que enfrentam dificuldades diárias nas situações mais cotidianas.
A convite do Blog, Manuela escreve semanalmente, para falar de cidadania e louvar o milagre da vida, conversando conosco.