Por Miriam Leitão, em O Globo deste sábado Foi uma semana de valorizar a vida.

A vivida e a por viver.

De entender melhor a força da paixão que move os colegas da profissão que escolhi.

Companheiros de viagem.

Tem sido um tempo de intensas emoções, daquelas que sacodem, inquietam, inspiram.

Separar o principal no mar dos fatos é uma das funções dos jornalistas.

Tento achar o principal.

Perdi amigos.

Tenho perdido gente preciosa, a maioria colhida antes do tempo, e isso me fez afinal entender o breve.

O filme passa rápido pela sua cabeça fechando a obra de uma vida e você pensa: mas foi tão curto o tempo que tivemos!

Pode-se pensar nisso como tristeza.

Ou dádiva: o tempo dado.

Em março, foi o jornalista Sidnei Basile.

Dias antes, falamos animadamente a respeito do seu livro sobre jornalismo econômico, cuja segunda edição estava preparando.

A edição, finalizada pelos seus filhos, está saindo agora em outubro.

Imperdível.

Será fundamental para os jovens que ingressam na profissão e para quem queira saber mais dessa área específica do jornalismo, na qual tive o privilégio de ser treinada pelo próprio Sidnei.

José Meirelles Passos, do qual nos despedimos na quarta-feira, com seu bloquinho no colete de correspondente, conseguiu emplacar novidade até na notícia do seu obituário: tinha apurado por que Hugo Chávez não veio se tratar no Brasil; é que os chavistas queriam controlar até os boletins médicos.

Meirelles estava cheio de pautas.

Trabalhou do hospital, no meio do tratamento, fez o que fez a vida inteira intensamente: buscou informação.

Numa festa, meses atrás, formamos um grupo cujo único assunto possível foi jornalismo: novas formas de buscar e entregar notícias na evolução vertiginosa do nosso tempo.

Deliciosa conversa.

Depois, o vi sair junto com sua Lucila andando na areia da Urca e fiquei pensando que ele jamais perderia o entusiasmo.

Jamais perdeu.

Rodolfo trabalhou num esforço heroico, mas exercido com serenidade.

Ele se espantaria se a gente dissesse que aquela dedicação, para além de tanta limitação, era espantosa.

Ele achava natural estar ali fechando o jornal, sempre, enquanto pudesse, até o fim.

Fim que veio cedo demais.

Choveu muito quando seguimos Meirelles pelo São João Batista.

A chuva baixou de repente, escurecendo o tempo às “cinco en punto de la tarde”, como diz um verso de Garcia Lorca.

Com tudo terminado, saímos à procura do táxi.

Andando por Botafogo, no meio da chuva e do vento forte, fui tendo saudade do que não vivi: por que mesmo não parei o carro quando vi meu amigo andando na rua?

Por que não reuni meus amigos no último aniversário?

Por que não fiz um grupo e fui ao cinema?

Prazeres delicados e breves, que adiei por falta de noção.

Dona Anna, mãe da Flávia Oliveira, tinha noção do valor de cada pequeno prazer. “Obrigada por tudo”, disse para a filha ao final da peça de teatro.

Flávia ponderou que era só uma ida ao teatro. “Obrigada por tudo”.

Foi o último teatro.

Na segunda-feira, nos despedimos dela, uma instituição entre os amigos da Flávia.

De Dona Anna vou guardar uma imagem soberba: ela sambando com a filha e a neta.

As três gerações na pista dava gosto de ver.

Guerreira, Dona Anna criou sozinha a filha única com um norte inegociável: estudar.

Flávia devia estudar, era o que dizia.

Deu certo o projeto e a filha virou a excelente jornalista que conhecemos.

No final, estava ela mesma querendo estudar jornalismo para entender que paixão era aquela que conquistou o coração da filha. “O que é isso, filha, de: o quê, quando, onde, como e por quê?” Isso é o lead, como os jornalistas chamam o começo da notícia, o principal, as perguntas que devem ser respondidas.

O principal na nossa profissão é a busca que não cessa.

Porque depois de uma notícia vem outra e outra.

Matéria atrai matéria.

Cada dia, o fato novo, mais notas, colunas, manchetes, análises, reportagens, revelações, artigos, ideias, pautas.

E se a notícia acabar?

A notícia não acaba, não.

Quem já viu a chama dos que gostam de informação, que vi nos que perdi, e vejo nos que tenho, sabe que o jornalismo é eterno.

Há quem fale do fim dos jornais.

Está aí um medo que não me sobressalta.

Vi muitas mudanças de formato, jamais o tempo revogar o essencial que é essa magia do fato novo, da boa entrevista, do segredo desvendado, da manchete que sintetiza o dia, da foto que espelha o momento, do texto redondo.

A redação tem um encanto.

Nela, os fatos passam como um turbilhão, informados aos pedaços, às vezes aos gritos; suspeitas sussurradas no cafezinho.

No meio de tudo, as brincadeiras.

Ancelmo é craque em espantar tristeza.

Inventou que era aniversário do Marceu.

Não era.

Mas teve comemoração de bolo de rolo.

Quem não comeu perdeu.

Porque hoje é sábado de uma semana dura, resolvi que o melhor era não ser econômica.

Escrevi a coluna sem pressa, porque o tempo já anda muito apressado.

O noticiário econômico está recheado de fatos.

Ocupavam este espaço ontem e ocuparão amanhã.

Preferi pensar na união das pessoas que fizeram as mesmas escolhas, que compartilham o mesmo código, que se entendem por estarem na mesma viagem.

O principal que compreendi na semana é que a amizade é um doce e misterioso encontro.