Por Renato Lima, especial para o Blog de Jamildo, dos States A Standard & Poor’s (S&P) anunciou, na sexta-feira (05/08), a redução em um ponto na nota da dívida americana.

A nota AA+ reflete ainda uma excepcional capacidade de pagamento, mas já não é risco zero.

Como um sinal de certa decadência americana, não apenas financeira, mas de liderança, políticos e empresários rapidamente se apressaram a condenar a S&P.

Do republicano Steve Forbes ao ministro do Tesouro de Obama, Timothy Geithner É claro que os EUA têm um risco maior do que zero de deixar de pagar suas contas.

E isso ficou extremamente claro na recente crise sobre a elevação do teto de dívida.

Os democratas querem aumentar os gastos do governo e do setor privado a qualquer custo – por isso não aceitam cortes e aumentam regulações como na recente reforma do sistema de saúde – e os republicanos não aceitam aumento de impostos.

Do lado da despesa, democratas são contra cortes; do lado da receita os republicanos não aceitam mais impostos.

Em sendo óbvio que a dívida americana tem mais do que 0% de risco de não ser paga no longo prazo, a nota de dívida deve refletir esse novo risco, e não a nota anterior, o AAA, que representava risco zero.

Alguns estados americanos, como Califórnia e Illinois, já estão de fato quebrados.

Ainda não deixaram de pagar os seus títulos da dívida, mas não honram a tempo dívidas com prestadores de serviço, incluindo atendimento médico e contrapartida a fundos de pensão.

Nenhuma novidade para um brasileiro, acostumado a ver filas de precatórios mesmo em estados ricos como São Paulo.

Mas um mau sinal dos tempos por lá.

O terceiro-mundismo, muito simplificadamente, é um conjunto de ideias que têm entre si a noção de nós (os pobres) contra eles (os ricos), que atribui subdesenvolvimento a uma ação orquestrada deles (os ricos) e que vê instituições de cooperação internacional como FMI, OMC, Banco Mundial bem como agências de riscos como agentes imperialistas (e, portanto, melhor ficar longe deles, mostrando assim sinal de soberania).

O terceiro-mundismo vê com desconfiança (ou preconceito aberto) o mercado e amplifica (ou inventa) o papel de agentes externos na causa de problemas internos.

Nenhum país que seguiu uma receita terceiro-mundista deu certo no médio e longo prazo.

Mas a retórica é encantadora para alguns, especialmente para jornalistas capazes de fazer frases de efeito, mas com pouco rigor teórico.

Como é o caso do uruguaio Eduardo Galeano e da canadense Naomi Klein.

E encanta líderes políticos populistas.

Nos EUA, o terceiro-mundismo fica evidenciado pela insistência em reclamar da S&P e não enfrentar o óbvio: a dívida americana está numa rota de colisão com a capacidade de pagamento do país.

Colisão essa que já chegou à Grécia (que deu um calote parcial aos credores) e já teria chegado a Portugal não fosse a ajuda da União Europeia.

Tal como na crise asiática de 1997, quando países como Indonésia e Coreia do Sul enfrentaram problemas de pagamento e crises cambiais, apontaram-se como culpados as agências de risco e “especuladores”.

Crise que depois se alastrou à Rússia, Brasil e Argentina – e variantes do discurso “é tudo culpa dos especuladores” foi ouvido em diferentes línguas.

Agora, também com claros problemas estruturais (ainda bem menores, diga-se de passagem), lê-se na imprensa americana os mesmos tipos de ataque.

Enquanto terceiro-mundistas como Hugo Chávez apontam os EUA como o grande satã, a versão americana desta ideologia aponta para a China como fonte de inúmeros problemas.

Novamente, um processo de transferência de culpa.

Os EUA têm tudo para se sair melhor de uma crise do que os exemplos citados anteriormente.

Possui uma longa cultura associativista – como bem destacou Tocqueville – e é o país com o maior número de empreendedores e dos melhores centros de inovação.

As melhores universidades do mundo estão nesse país e o estágio atual da economia remunera melhor a produção da inovação e conhecimento do que a simples manufatura.

Esse detalhe já deveria ser suficiente para amainar o medo de produtos chineses, especialmente ao saber, por exemplo, que os iPads são desenvolvidos e geram lucros para a americana Apple, ainda que produzidos na China.

O risco da nação de Thomas Edison cair na ideologia do terceiro-mundismo é pequeno, bem como o de não pagar a sua dívida.

Mas já não é AAA.

O terceiro-mundismo foi ruim para os países pobres e pode ainda se mostrar ruim até aos países ricos.

Será melhor para o mundo um ajuste fiscal verdadeiro na nação do dólar (e na Europa da zona do euro e mesmo no Brasil do real) que ataques ao emissor das más notícias.

O terceiro-mundismo rende muito discurso e transferências de culpa, mas pouco resultado prático.

Renato Lima, jornalista (UFPE), é mestre em Estudos da América Latina (University of Illinois at Urbana-Champaign) e doutorando em ciência política (MIT).