Por Raul Jungmann A Noruega é um país pacífico, de nível de vida e educação invejáveis.
Lá, creio, ninguém estava preparado - alguém está? -, para a carnificina, dor e sofrimento que os dois recentes atentados e 94 mortos produziram.
Me fez lembrar a Argentina, 1994.
Também lá não se contava com o que se passou na AMIA, uma associação judaica, aonde extremistas islâmicos lançaram bombas e mataram 85 pessoas, deixando ainda 300 feridas.
Nós, como eles, também não acreditamos que seja possível que algo assim venha a acontecer conosco.
Nosso mantra é que não temos contenciosos com vizinhos, pois nossas fronteiras são o resultado de um prodígio diplomático que vem do século passado.
Também não temos conflitos étnicos, religiosos ou regionais profundos, não é mesmo?
Cabe a pergunta: e a Argentina ou a Noruega acaso os tinham?
A resposta é não.
Que eu saiba, fomos os únicos a promover duas audiências públicas sobre terrorismo na Câmara dos Deputados.
Lá, reuni todos os que, no governo e fora dele, de uma ou outra forma, lidavam e tinham responsabilidades com o tema.
Então, fiquei sabendo que não dispomos de planos de contingência para equipamentos de massa (metrôs, estádios, aeroportos etc) em nossas capitais e outras grandes cidades.
E que, apesar de 14 órgãos estarem envolvidos com o problema, o comando das ações permanece impreciso e a Autoridade Antiterrorismo, promessa do governo Lula, nunca saiu do papel.
Pior, nos falta uma legislação que tipifique o crime de terrorismo.
A que temos é a velha Lei de Segurança Nacional, que não dá conta do recado.
Afinal, o “terror” que a tal lei prevê era o da “subversão”, antes da queda do muro de Berlim.
Para o governo atual e o anterior, criar uma legislação antiterrorismo seria tomar partido na disputa entre os EUA, palestinos, FARC’s etc, o que poderia atrair a ira destes últimos sobre nós.
Tal lei, ainda, serviria para enquadrar atos violentos dos movimentos sociais, com destaque para o MST, um aliado estratégico - o que não procede.
Daí que seguimos assim: de um lado, queremos brilhar nos palcos do mundo, mediando acordos entre o Irã e as potências ocidentais, com os olhos postos no Conselho de Segurança da ONU.
De outro, não temos uma política, estrutura, ou legislação adequadas para lidar com o terrorismo, um dos males desse mesmo palco que ambicionamos.
Nossa elite quer o bônus do “Brasil potência” e global player, mas não se dá conta do ônus decorrente.
Afinal, quem lidera tem que se dispor a sangrar ao assumir responsabilidades globais.
Diga-se o que se quiser, mas o fato é que EUA, Rússia, França, China e Inglaterra - o núcleo duro das decisões na ONU - imolaram milhões de seus cidadãos em guerras, umas mais outras menos justas, outras ainda indefensáveis.
Ir ao centro do mundo é, também e inversamente, trazer esse centro e sua carga de disputas, violência, riscos e terror até nós.
Isto, porém, não se discute.
O que se conta é apenas o lado bom da história, aquele que nos afaga o ego nacionalista.
Gostamos de proclamar que temos o pré-sal, água, terras, alimentos, biodiversidade e energia.
E que por isso o mundo deveria curvar-se às nossas pretensões a liderança.
De quebra, lembramos ao mundo que sediaremos a Rio + 20, ano que vem, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.
E também que não temos ameaças ou inimigos, pois somos o país do carnaval, pacífico e alegre.
Esquecemos, assim pensando, que a Argentina e a Noruega, pacatas, sem inimigos e com muito menos recursos e projeção que nós, pagaram com sangue e mortes o preço da sua trágica imprevidência Raul Jungmann é presidente estadual do PPS