Por Renato Lima, no site Ordem Livre A fusão Carrefour e Pão de Açúcar pode até não ir para frente, mas só o fato de que o BNDES trabalhou nesta proposta e o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimental, defendeu a participação do governo na negociata é um escândalo em si.
Nem na lógica intervencionista o negócio se sustenta.
Normalmente, os defensores de bancos públicos justificam a presença de tais empréstimos estatais sob as seguintes bases: 1) financiar atividades em que o retorno social é superior ao retorno de mercado (um exemplo citado é o crédito rural, ou obras de infraestrutura, ou a presença em pequenos mercados como cidades no interior); 2) apoiar indústrias nascentes (argumento muitas vezes casado com a imposição de barreiras protecionistas, supostamente temporárias até a consolidação dessa nova indústria); 3) apoiar o desenvolvimento ou manutenção de setores “estratégicos” (como se dizia das telecomunicações, da indústria bélica ou do petróleo).
A categoria supermercado não se enquadra em nenhuma das definições.
Com muito exagero, Fernando Pimentel tentou enquadrá-la na de setor estratégico.
Abílio Diniz, tão ávido por fazer negócios com parceiros estrangeiros, defendeu a presença de dinheiro do BNDES para evitar a desnacionalização do setor de distribuição de alimentos.
Desnacionalização que ele mesmo liderou, ao se associar ao francês Casino; e que não será revertida por trocar o sócio Casino por outro sócio francês, o Carrefour.
Fusão de maior (Carrefour) com menor (Pão de Açúcar) significa compra.
Em um mercado aberto, não faz diferença saber se a matriz de tal empresa tem sede dentro ou fora do país.
Se existir concorrência, a empresa só se sustenta ofertando preços competitivos.
Ganha o consumidor.
Restringir concorrência para beneficiar empresas com supostos interesses nacionais (seja lá o que isso quer dizer) significa escolher vencedores e transferir renda do consumidor para empresários com boas conexões políticas.
O consumidor, com menos opções, é obrigado a pagar mais caro, e o empresário embolsa a diferença, ganhando uma renda acima do normal que seria possível caso houvesse maior concorrência.
Nem mesmo o velho argumento de que por ter matriz no exterior, lucros da operação seriam revertidos para fora, prejudicando a balança de pagamentos.
Estão sobrando dólares no mercado interno e uma remessinha de lucros até ajudaria o trabalho do Banco Central para evitar maior desvalorização do real.
Indústrias exportadoras ficariam felizes, neste momento, se mais empresas multinacionais remetessem lucros para as matrizes.
Ainda disse Pimentel que o negócio ajudaria a colocar mais produtos brasileiros no exterior.
Outra balela.
O Brasil é, ou voltou a ser, um grande exportador de commodities.
Esses produto têm preço definido pelo mercado internacional.
Aumentar a presença de commodities brasileiras – ou produtos de marca – no exterior demanda melhorar a infraestrutura do país, de forma que o produto não se perda em estradas esburacadas e fique parado em portos abarrotados ou ainda por greves de funcionários públicos.
Nisso, também, de nada adianta ajudar o Carrefour a comprar o Pão de Açúcar.
Abílio Diniz quer que o BNDES entre com nada menos que R$ 3,9 bilhões. É um valor próximo ao PIB de Araraquara ou Boa Vista para 2008 (IBGE).
Uma operação normal de mercado demandaria convencer várias pessoas da viabilidade do negócio – não apenas desse negócio em si, mas da sua primazia diante de várias outras oportunidades de investimento, ou seja, o custo de oportunidade.
No balcão do BNDES, ao que parece, bastam boas conexões e uma consultoria econômica que enquadre o projeto nas regras do banco.
Além disso, os gestores do BNDES estão aplicando dinheiro dos outros – dos contribuintes.
Bancos privados ou investidores individuais tendem a ser mais criteriosos – eles investem dinheiro dos seus acionistas.
Estranhamente, na primeira reportagem do Jornal Nacional em que foi anunciada a intenção do negócio (29-06-2011), Abílio Diniz já falava como assunto fechado. “Eu acho que o BNDES fez um bom negócio.
Está evitando que o sistema de desabastecimento seja totalmente desnacionalizado; acho que está fazendo um serviço para o consumidor, para a sociedade, para todos os brasileiros”, decretou.
Ou Abílio Diniz é um fanfarrão ou o banco lhe deu segurança para assim se pronunciar.
A primeira hipótese tira a sua credibilidade como gestor – o que é reforçado pelo fato de que ele agora quer anular o direito que o sócio Casino terá de assumir a gestão da rede, conforme acordo de acionista.
A segunda hipótese responde pela falta de critério que o BNDES vem trabalhando.
Da forma como está, o BNDES virou um supermercado de subsídios, ofertando grandes financiamentos a clientes amigos, com o custo repassado ao contribuinte.
Este paga, via carga fiscal, o custo da Selic que o governo se financia (12,25%) para que o BNDES empreste via TJLP (6%) para maganos ou use o BNDESpar para alavancar negócios como esse, que vai contra o interesse dos consumidores.
Afinal, faz mais sentido o governo atuar coibindo a cartelização do setor do que a união do líder e vice-líder de um mercado, concentrando ainda mais as operações varejistas.
Como disse lá em cima, nem na lógica intervencionista o negócio se sustenta.