Por Raul Jungmann Do amplo legado que o Presidente Itamar Franco deixa ao Brasil, três são as principais contribuições Primeiro, ter feito a transição entre o impeachment de Collor, com todo o seu potencial de ruptura democrática e ter entregue o pais ao seus sucessor, Fernando Henrique, sem desvios ou cedendo a tentações.
A segunda e decisiva contribuição foi o Plano Real, coordenado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique, que devolveu o futuro aos brasileiros e serviu de base para a reorganização progressiva do Estado, da moeda, finanças, salários e investimentos.
A partir do Real, o pais pode se relançar a redução das nossa agudas desigualdades, via programas sociais de massa.
Por fim, a exemplaridade no exercício da política, subordinada a ética e orientada ao bem comum.
Isso num Brasil aonde política e políticos, na percepção média, mal se distanciam de marginais.
Dotado de singular firmeza, Itamar as vezes sobrepunha sua personalidade à racionalidade política, como no caso da “guerra” entre Minas e Brasília, detonada pela questão da renegociação das dívidas do estado, quando chegou a distribuir tanques e a PM em torno do Palácio da Liberdade, sede do governo.
Em contrapartida, teve a compreensão de ceder a continuidade do programa de privatizações, às quais era contrário, necessárias ao saneamento fiscal das contas nacionais e essencial para o combate à inflação.
Ou ainda, após difíceis negociações com a equipe de FH, das quais participei, em não repetir erros do Plano Cruzado, como o congelamento de preços, .
Na sua presidência, exerci meu primeiro cargo público federal, como secretário geral do Ministério do Planejamento.
Lá, integrei a equipe que implantou o Plano Real e me aproximei do seu sucessor, Fernando Henrique que, mais adiante, me alçaria ao Ministério da Reforma Agrária.
Anos atrás, tive um pequeno entrevero com o ex-presidente, que enviou Henrique Heargreves, seu ex-chefe da Casa Civil, para sondar minha disposição quanto a sua filiação ao PPS, partido pelo qual disputou e se elegeu senador por Minas Gerais.
Respondi-lhe que meu afeto e gratidão permaneciam intactos e que seria um prazer e uma honra tê-lo como companheiro de partido.
Eleito senador, Itamar Franco logo despontou como um dos líderes da oposição, pela combatividade e firmeza de posições, características pessoais que o acompanharam por toda vida pública.
Por tudo que foi e fez, ao ex-presidente cabia receber as merecidas honras da nação nas casas que honrou com sua dignidade e retidão, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.
Ele, entretanto, seguirá direto de São Paulo, aonde faleceu, para sua Juiz de Fora e, de lá, para Belo Horizonte.
Esse périplo final, escolha de sua família, talvez traduza a mágoa de quem se deu tanto e, ao seu juízo, não teve o devido reconhecimento dos seus pares e da opinião pública. É pacífico, porém, que o presidente Itamar Franco será lembrado com carinho por todos e com o respeito devido aos que, na vida pública, serviram o pais sem dele servir-se jamais.
PS: Raul Jungmann é presidente estadual do PPS e ex-secretário-geral do Ministério do Planejamento do governo Itamar Franco