Por João Humberto Martorelli, em artigo publicado no Jornal do Commercio de hoje (16) Ressalvados aqui suficientemente os méritos dos magistrados, representantes do Ministério Público e legisladores municipais que vêm acolhendo e praticando a tese contrária, a proibição de cobrança de taxas de estacionamento em shoppings e em outros equipamentos privados de uso público é um rematado absurdo.
A cobrança é exploração econômica de propriedade privada e, como tal, garantida pela Constituição Federal.
As limitações ao uso econômico da propriedade privada, por outro lado, se necessárias em razão de interesse público, somente podem emanar de lei federal, porque a matéria aqui é de direito civil, não cabendo aos municípios a mais mínima competência no assunto.
Sustenta-se que, existindo vagas destinadas ao uso público no projeto de construção do equipamento aprovado pela edilidade, elas teriam que ser gratuitas.
A inferência demonstra completa ignorância em matéria de direito urbanístico e de direito civil, porque confunde os efeitos das normas de um e outro ramo de direito, o primeiro abrangendo as restrições e imposições destinadas ao adequado funcionamento do prédio no entorno, ao conforto e comodidade dos usuários, ao uso e ocupação do solo, enquanto que o direito civil trata das relações econômicas que se estabelecem entre o proprietário e os usuários.
Apreciando um projeto de construção de um centro de convenções, por exemplo, o município pode exigir que determinado espaço seja destinado a uma praça de alimentação, mas não pode forçar o proprietário a fornecer alimentação gratuita.
Do mesmo modo, a edilidade pode exigir a instalação ou a ampliação do número de vagas destinadas a estacionamento, mas nunca proibir a sua exploração econômica, prescrevendo a gratuidade.
Sob ótica diversa, admitindo-se, por puro amor ao debate, que o município pudesse determinar a gratuidade em razão de normas urbanísticas, seria de rigor que a exigência constasse expressamente do despacho de aprovação do projeto, a posterior condição inserida em lei municipal superveniente violando frontalmente os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.
Mesmo no âmbito do direito civil federal, a proibição de cobrança seria inconstitucional, a legislação federal também não podendo afrontar a Constituição e excluir a livre exploração econômica da propriedade, somente admitindo-se, nesse âmbito, o controle de preços abusivos.
Tudo porque a garantia do direito de propriedade e a sua exploração em regime de livre iniciativa são princípios informadores e caros ao nosso sistema constitucional, a liberdade de iniciativa da empresa pressupondo o direito de propriedade na mesma medida em que dele é decorrência.
O tema não é novo, já foi apreciado mais de uma vez pelo Supremo Tribunal Federal no sentido da liberdade da cobrança.
O Supremo reconhece, no julgamento de várias Adins (ações diretas de inconstitucionalidade), que a lei não federal instituidora da gratuidade é inconstitucional no aspecto formal, porque adentra matéria de direito civil, e material, porque viola o direito de propriedade.
De modo que a marola atual de leis municipais instituindo a gratuidade não passa de mera perturbação e bagunça institucional.
Não sobreviverá.
João Humberto Martorelli é advogado