DE PÉ, É DEMAIS!

Gustavo Krause Detesto moralistas.

Consideram-se criaturas acima do bem e do mal.

Esta categoria de gente pensa que existe.

Autoengano.

Somos todos potencialmente bons e potencialmente maus.

Assim é a natureza humana capaz da compaixão e da crueldade; do ódio e do amor; da virtude o do pecado.

O moralismo abriga o canalha que aponta os vícios e as bandalheiras dos outros com o dedinho sujo.

Isto mesmo, o que é passível de condenação está no outro.

Nele, fizeram morada, a bondade, a justiça, a generosidade, um monte de atributos que o torna capaz de acusar, julgar, condenar e, pretensiosamente, retificar o lenho torto de que é feita a humanidade.

A propósito, esta ressalva é indispensável para que se fale do Brasil contemporâneo, seus costumes, a política e, sobretudo, a relação do comportamento das autoridades com valores republicanos sem a contaminação da falsidade moralista.

O que caracteriza a corrupção dos valores republicanos?

Objetivamente, o desrespeito a Lei, o desregramento universal e a debilidade institucional.

O que pode restaurar valores republicanos mediante o enfrentamento da corrupção?

Fazer valer Lei e a conseqüente punição ao transgressor, observado o devido processo legal de modo que o combate a impunidade restaure os pilares da República: a Igualdade de todos perante a Lei e a Liberdade irrestrita de expressão do povo.

Os recentes episódios que tomaram conta do noticiário, das manobras políticas, da opinião pública brasileira, demonstram que a República vai mal.

Com efeito, o mais poderoso ministro do governo reincide, para dizer o mínimo, em graves suspeitas de relações promíscuas entre o público e o privado, resultando em colossal aumento do patrimônio pessoal; por sua vez Sua excelência, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, em oportuníssimo parecer, nada viu que merecesse maiores investigações, afinal tudo estava, segundo ele, cabalmente explicado; já o Senhor Elói Pietá, secretário-geral do PT, escreveu um artigo dizendo-se “espantado com o alto padrão de vida que Palocci se concedeu” e, desta forma, mantendo-se fiel à tradicional luta de classe, contrariando a tendência dos neo-socialistas de mercado, condena o ex-ministro Palocci pelo crime de enriquecer, explicando melhor, enriquecer é pecado, mas acumular fortunas, independente dos métodos e desde que seja em favor da causa, pode; na solenidade de transmissão de cargo, altos dignitários do Estado e figurões da sociedade brasileira, diante de uma Presidente emocionada, aplaudiram de pé, antes e depois da fala, aquele personagem cujo physique du rôle se assemelha aos monges medievais descritos por Umberto Ecco em O nome da rosa.

Aplaudir, aplaudir o quê?

O que de tão nobre fez Palocci para merecer tamanha homenagem: o episódio da mansão do contubérnio, a humilhação do caseiro Francenildo ou o engenho e arte de revolucionar os serviços de consultoria para negócios divinos e maravilhosos?

Detalhes enobrecedores da reverência: aplausos de pé regados a lágrimas presidenciais. É demais!

Para completar uma semana cheia de emoções, o Cesare Battisti está solto nas ruas com a expertise de consultor em extradição enquanto a brava ministra da tilápia vai lutar, com dedicação e simpatia, para que os tubarões não engulam o governo.