Foto: JC Imagem SUSPEITA A suposta fraude teria acontecido na primeira gestão de João Paulo Por Débora Duque, no Jornal do Commercio Uma operação de compra de títulos públicos federais pode ter lesado o Regime Próprio de Previdência Social do Recife (Reciprev) em R$ 4,6 milhões em 2004, na primeira gestão do ex-prefeito João Paulo (PT).
Há quase dois anos, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) realiza auditoria especial que resultou num relatório detalhado ao qual o JC teve acesso na última semana.
O caso ainda não foi julgado pela Corte, mas a investigação aponta para um prejuízo milionário aos cofres públicos, especificamente, ao fundo previdenciário dos servidores municipais, alimentado a partir da contribuição dos funcionários.
O caso começou a ser investigado a partir de denúncia do Banco Central, em setembro de 2009.
Após realizar supervisão das operações financeiras no Deustch Bank (Banco Alemão), o BC identificou sinais de superfaturamento na compra, intermediada pela entidade alemã, de títulos públicos federais pela Prefeitura do Recife à empresa Quantia DVTM Ltda., especializada na venda de notas do Tesouro Nacional.
A partir de recursos oriundos do Reciprev, o Executivo municipal adquiriu, em fevereiro de 2004, 33.795 títulos por valores bem acima dos praticados no mercado.
Para comprovar a suspeita de superfaturamento, a auditoria do TCE utilizou como parâmetro os preços divulgados pela Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima).
O órgão faz cotações diárias dos principais títulos públicos e, a partir dessa coleta, gera uma média de preço para cada categoria de título.
A PCR adquiriu títulos com quatro vencimentos diferentes: 2015, 2021, 2024 e 2031.
Foram comprados 11.521 títulos com vencimento para 2015 ao custo de R$ 14,6 milhões, mas pela cotação de mercado da Andima eles deveriam custar R$ 13,4 milhões.
Com vencimento para 2021, foram adquiridos 3.250 títulos por R$ 4,7 milhões, enquanto pela Andima eles custariam R$ 4,3 milhões.
A PCR comprou 16.404 notas com vencimento para 2024 no valor de R$ 20,2 milhões, que deveriam custar R$ 17,9 milhões.
E, finalmente, a Reciprev arcou com a compra de 2.620 títulos com vencimento para 2031 por R$ 6,5 milhões, mas o valor de mercado seria R$ 5,9 milhões.
Ao final, as operações significaram um dano de R$ 4.607.778,80 nos recursos do fundo previdenciário, segundo relatório preliminar do TCE.
A auditoria indica que a determinação para a compra dos títulos partiu da diretoria de administração financeira da Secretaria de Finanças.
A ordem foi assinada pelos diretores Gilson Guerra e Vera Moury Fernandes, ordenadores de despesa e já informava os “preços unitários que deveriam ser pagos pelos títulos”.
Ao final, a auditoria informa que “nenhum dos documentos enviados esclarece como foram definidos” tais valores.
Assim, na ausência de justificativas para a compra das notas do Tesouro a preços elevados, a auditoria do TCE imputa aos dois diretores da Sefin a devolução integral do valor superfaturado e sugere o encaminhamento do processo ao Ministério Público de Pernambuco para que este os acione por improbidade administrativa.
O caso encontra-se à espera do voto da conselheira-relatora, Teresa Duere, para então ser submetido ao pleno da Corte de contas.
PROBLEMAS EM OUTRAS CIDADES - Outro fator que reforça a suspeita de irregularidade nas compras efetuadas com recursos do Reciprev é o histórico da empresa Quantia DVTM Ltda., responsável pela negociação com a Prefeitura do Recife, em 2004.
Parecer do Ministério Público de Contas (MPCO), elaborado pelo procurador Gustavo Massa, revela várias “movimentações fraudulentas” da empresa em outras cidades, envolvendo fundos públicos de previdência.
E, na maioria dos casos, o relatório mostra que o esquema era executado com a cumplicidade dos gestores.
O relatório cita como exemplo o caso do Rio de Janeiro, onde o presidente e diretores do Rio Previdência foram condenados a devolver, com recursos próprios, aos cofres estaduais aproximadamente R$ 36 milhões.
A fraude, detectada em 2003, refere-se à compra de títulos públicos por valores até 162% mais altos do que os preços de mercado.
Uma operação semelhante, ainda que em menor proporção, aconteceu no município pernambucano de Lagoa do Carro, no Agreste.
Em 2008, o Ministério Público ingressou com ação judicial contra o então prefeito Tota Barreto (PSB) e mais sete funcionários do serviço previdenciário da cidade, em virtude da compra “ilegal” de títulos da dívida pública com a verba do LagoaPrev à Quantia.
O prejuízo ao erário foi calculado em R$ 370 mil.
O documento elaborado pelo procurador do MPCO também lembra que a empresa foi citada na investigação da CPI dos Correios devido às negociações de títulos superfaturados.
Baseando-se numa reportagem publicada no jornal Estado de S.
Paulo, em outubro de 2010, o procurador fez referência, ainda, a uma investigação realizada pelo Ministério da Previdência em parceria com o Banco Central, na qual foi identificado um prejuízo de quase R$ 200 milhões aos fundos de pensão de pelo menos três Estados e 112 prefeituras.
O funcionamento da operação era semelhante ao que está sendo analisado no Recife: compra de notas do Tesouro Nacional por preços acima dos praticados no mercado.
EXPRESIDENTE VISTO COMO MENTOR - Apesar de a auditoria preliminar do Tribunal de Contas do Estado (TCE) responsabilizar os dois ordenadores de despesas da Secretaria de Finanças (Sefin) – Vera Moury Fernandes e Gilson Gonçalves – pela compra dos títulos “superfaturados”, o Ministério Público de Contas (MPCO) expôs uma visão diferente a respeito da autoria das operações.
O parecer elaborado pelo procurador do órgão, Gustavo Massa, isenta os dois diretores da Sefin e pede a condenação do ex-presidente da Reciprev Aubiérgio Barros, sob o argumento de que, mesmo sem o poder de ordenar despesas, teria sido ele o mentor de toda a negociação.
De fato, a transação aconteceu mediante a autorização da Secretaria de Finanças, uma vez que a autarquia só conquistou autonomia financeira em 2005.
Contudo, baseando-se nos depoimentos dos diretores da secretaria, o procurador do MPCO considera, em seu relatório, que Aubiérgio Barros teve participação “decisiva no planejamento e conclusão” da operação, conforme informou em seu parecer. “Aubiérgio se empenhou pessoalmente na operação, levando documentos em mãos, ditando despachos e supostamente orientando o preenchimento de quadros e planilhas com preços unitários acima dos praticados no mercado”, assinala o procurador.
O relatório destaca que, antes de assumir o comando do Reciprev, em novembro de em 2003, o ex-presidente ocupou o cargo de gerente de mercado de títulos públicos na Caixa Econômica Federal, o que demonstra sua experiência no assunto.
Ainda de acordo com o MPCO, a contribuição dos dois diretores da Sefin – Vera Moury Fernandes e Gilson Guerra – foi de caráter “meramente formal”.
Ao contrário do ex-presidente do Reciprev, nenhum dos dois detinha conhecimentos técnicos sobre o mercado de títulos públicos, cabendo-lhes apenas liberar a transação a pedido do próprio Aubiérgio e com o aval do ex-secretário-adjunto de Finanças Elísio Carvalho que, segundo o documento, “confirmou a licitude da operação e a pressa em realizá-la”.
Em resposta ao TCE, Aubiérgio argumentou, de acordo com as informações contidas no relatório, que como não era ordenador de despesas, não possuía “elementos técnicos para esclarecer como foram definidos os preços unitários dos títulos”. “Como pode o maior especialista no assunto deixar de verificar o preço final de compra e venda da operação por ele mesmo iniciada?
Será mesmo que o senhor Aubiérgio, que levou os documentos em mãos, não tenha notado o preço acima da tabela da Andima?”, questiona o procurador, em seu parecer.
Além de imputar a responsabilidade da operação ao ex-presidente do Reciprev, o MPCO solicita maiores investigações sobre a participação do titular da diretoria-geral de Administração da Sefin, Alexandre Baracho, que, de acordo com o relatório, interrompeu suas férias para elaborar o quadro com os preços unitários de compra e venda dos títulos a serem negociados a partir dos dados fornecidos pelo próprio Aubiérgio.
Assim como o TCE, o MPCO também indica a necessidade do aprofundamento das investigações por parte do Ministério Público de Pernambuco, mas sugere a quebra dos sigilos bancário e telefônico do ex-presidente do Reciprev.
JOÃO PAULO LEMBRA QUE TEVE CONTAS APROVADAS - À frente do Executivo Municipal na época da operação financeira, o ex-prefeito e atual deputado federal João Paulo (PT) preferiu não conversar com o JC sobre as constatações da auditoria do TCE.
Em nota, limitou-se a dizer que “as contas da Prefeitura do Recife, referentes ao exercício de 2004, foram efetivamente aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, em 15 de abril de 2009”.
A aprovação, contudo, não impede que uma auditoria especial nas contas de determinado órgão seja realizada posteriormente, revelando eventuais irregularidades.
No processo em tramitação no TCE, João Paulo não chega a ser citado pelos auditores nem pela procuradoria do Ministério Público de Contas, mas aparece como parte interessada.
Já o ex-presidente do Reciprev Aubiérgio Barros mostrou-se surpreso ao ser informado que o MPCO o apontava como principal responsável pela compra investigada.
Em entrevista ao JC, repetiu o que já havia afirmado anteriormente ao TCE, acrescentando que, na época, era recém-chegado à Prefeitura e, por isso, não tinha conhecimento sobre as operações executadas pela Secretaria de Finanças. “Tinha acabado de assumir o Reciprev e, durante minha gestão, não houve operações no mercado financeiro porque o órgão só ganhou autonomia financeira em 2005”, explicou.
Aubiérgio assumiu a presidência da autarquia em novembro de 2003 e permaneceu no cargo até julho de 2006.
Ele disse ter sido convidado por João Paulo para integrar a gestão devido ao trabalho desenvolvido na Caixa Econômica Federal, onde era gerente de mercado de títulos públicos.
Questionado sobre o que motivou sua saída a um ano e meio de terminar o segundo governo do petista, foi evasivo. “Certamente devo ter dito não para várias coisas.
Não posso afirmar que houve nada, mas a partir daquele momento, ele (João Paulo) achou que eu não deveria mais ocupar o cargo.
Se isso foi proveniente dos nãos que, eventualmente, você tem que dizer em função do cargo que você ocupa, isso eu não posso dizer”, declarou.
Hoje, ele comanda o Instituto Aerus de Seguridade Social, que administra os fundos de pensão dos ex-funcionários das companhias aéreas Varig, Vasp e Transbrasil, no Rio de Janeiro.