Socorro, comadre Fulozinha!

Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo O vaivém e o puxa-encolhe do projeto de Código Florestal é uma tragicomédia.

Este gênero híbrido da dramaturgia coloca, de um lado, a maioria dos parlamentares e, de outro, a natureza e nós, milhões de palhaços, envolvidos na comédia e vitimados pela tragédia dos retrocessos do novo projeto.

Infelizmente, o debate foi apequenado: o que está em jogo é o futuro que desejamos para os nossos descendentes.

Pudera, o relator, experiente deputado e partidário arrependido do regime albanês, Aldo Rebelo (PCdoB/SP), escolheu o lado dos ruralistas, descumprindo o papel de artesão da conciliação e de construtor de consensos.

Não que faltem razões aos produtores rurais, protagonistas do sucesso brasileiro como grande produtor mundial de alimentos; igualmente, não faltam argumentos à sociedade para defender a vocação ambiental do Brasil, país que abriga a maior biodiversidade do planeta e um dos maiores reservatórios de água, preciosidades diante da dramática escassez de recursos naturais.

O dilema é falso.

A busca da convergência não somente é necessária como possível e desejável.

E neste sentido, cabe registrar avanços expressivos no marco legal da questão ambiental: lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (1981), artigo 225 da Constituição Federal, Lei de Gestão de Recursos Hídricos (97), Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente (98), lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000), Lei de Informações Ambientais (2003), Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006), Lei da Mata Atlântica (2006), Lei de Mudanças Climáticas (2009) e Lei de Gestão de Resíduos Sólidos (2010).

Antes de entrar em vigor, o projeto de lei já opera efeitos deletérios: aí estão os números do desmatamento na Amazônia Legal (Mato-Grosso), ratificando a costumeira via torta de passar a mão na cabeça dos infratores.

Além de lamentáveis proposições (anistia para os desmatadores e restrições à Reserva Legal e à Área de Preservação Permanente), duas questões foram suficientes para me desiludir em relação a qualquer beneficio do referido projeto: a proposta original reduzia a cobertura de matas ciliares, um grave atentado ao meio ambiente cujos elementos, mata, solo, água, clima se sustentam quando em equilíbrio; a segunda questão, ainda mais grave, foi o uso do projeto como moeda de troca na eleição do presidente da Câmara e, agora, para proteger o ministro Palocci da investigação parlamentar.

Outro sinal desanimador vem de uma discussão bizarra: a quem caberá definir o plantio das culturas nas “áreas consolidadas”?

Se o Brasil não fosse uma federação política de mentirinha, esta questão seria resolvida no plano local.

No entanto, como o centralismo patológico e autoritário não acredita na resistência dos governadores e prefeitos às pressões políticas dos interessados, é provável que a Presidente da República determine que se plante macaxeira (aipim), jerimum (abóbora) ou, na dúvida, mande plantar batata.

Com efeito, este episódio revela imperdoável descaso com o futuro e expõe a República capenga: um Judiciário que julga e legisla; um Executivo que exerce o poder discricionário; um Legislativo subserviente que obedece a ordens do Planalto.

Como é da nossa tradição religiosa e supersticiosa, nada custa apelar para os poderes mitológicos de Comadre Fulozinha, guardiã das florestas, para chicotear os predadores da mata com suas longas tranças.

O risco é que os espertos descubram que a Comadre, segundo Câmara Cascudo, gosta de receber presentes e presentes modestos: mingau, confeito e fumo.