Por Abelardo Hefaestus (psedônimo), especial para o Blog de Jamildo Em ambientes em que as pessoas são afeitas ao debate e à boa fundamentação dos argumentos, é de se presumir que não haja espaço para a contradição entre o discurso e a atitude.
Muito menos espaço para melindres na exposição de motivos. É incoerente e até vergonhoso que, por exemplo, numa corte de justiça aconteça tal flagrante.
Porque todos têm em mente que uma corte de justiça não deve se furtar à preservação da sensatez e da harmonia do discurso com a prática.
Valendo-nos de um dicionário para formar um conceito de corte, podemos chegar à seguinte definição: corte de justiça é templo supremo da suplicação de um povo por seus direitos, que tem como seu maior princípio o sacerdócio judicante e a sindérese.
Na corte de justiça o mérito é a primeira de duas virtudes. É pelo mérito que se determina a forma de acesso a ela: o jurisdicionado tem que merecer o direito à reclamação na justiça; o advogado tem que merecer representar o cidadão; candidatos ao cargo de juiz e de funcionário público devem provar ser merecedores disto mediante concurso…
A segunda virtude é a antiguidade.
Desde que o mundo é mundo que antiguidade é posto.
Nos quartéis, no Vaticano, nas assembleias e nos congressos legislativos sempre se usa o critério antiguidade para promoção ou delegação de responsabilidade.
Antiguidade é conhecimento.
No serviço, é parâmetro para enquadramento dos indivíduos, numa forma de reconhecimento de sua vivência e do seu valor.
Para os tribunais de justiça, então, ser antigo na corte é tão importante que os magistrados possuem sua tabela de antiguidade, através da qual se escolhe os nomes daqueles que serão promovidos a desembargador, ou serão elevados ao posto máximo de presidente da corte.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco não é diferente nisto.
Ele também utiliza este método de aferição entre seus membros – neste caso um exemplo da pregação harmoniosa e coerente do discurso cotejado com a atitude, mas neste caso.
Noutro caso, não.
Em projeto de lei elaborado por aquela casa, que ambiciona disciplinar a remuneração e a prestação dos serviços dos funcionários, estamos assistindo justamente ao contrário.
Em tal projeto agruparam funcionários novos com funcionários antigos em mesma classe e padrão, quebrando assim o princípio da antiguidade, causando aos antigos a perda do tempo de serviço para fim de progressão.
Há naquela corte um comportamento psíquico ainda não bem compreendido, que a impede de se relacionar com honradez ante o seu pessoal de apoio, haja vista que vez por outra surgem iniciativas de depreciação do funcionalismo e a negação de direitos reconhecidos por instância superior.
Há ali uma predileção nítida pela opressão, pelo castigo, pela punição, pela perseguição, pelo assédio moral. É um método asfixiante, que parece nos dizer: – use a porta dos estudos para cair fora, porque aqui você só será se me for subserviente. É bem verdade que ali existem homens probos e de boa-vontade, cremos, os dedos das mãos não são iguais.
Por outro lado, probidade, honradez, boa-vontade, retidão de julgamento e saber jurídico não são qualificações que venham garantir capacitação de um magistrado enquanto gestor da administração pública.
E, sendo assim, o diapasão que requer do servidor público qualificação para ascender funcionalmente, é o mesmo que indica que um magistrado não está apto a ser gestor da coisa pública, quando entre outras coisas não adota medidas realmente saneadoras das pendências do seu funcionalismo.
Apenas empurra o problema com a barriga.
Quando este critério não é observado, vemos então a adoção de medidas paliativas executadas a conta-gotas pela Secretaria de Gestão de Pessoas.
São elas: Campanha Ser Gentil é Legal; Concurso de Fotografia, Olimpíadas Esportivas, Exposição de Talentos, Feira de Artesanato; Livroteca, Cinemateca, Saúde Legal, Ginástica Laboral…
Iniciativas que mais parecem nos levar da concentração do trabalho jurisdicional à alienação mental de que tudo está bem… tudo vai se ajeitar.
Há um grande dilema hoje imposto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco pela conjuntura social.
Instituição secular que é, portanto conservadora e tradicionalista de nascimento, ele se vê pressionado a se modernizar.
E, neste caso, o que é modernizar-se?
Seria adquirir tecnologia?
Seria aumentar a estatística de processos julgados?
Seria a criação de cursinhos de capacitação para os servidores mudarem sua mentalidade e ampliarem seu saber?
Seria adotar nova dinâmica de julgamento dos feitos?
Modernizar-se é tudo isto e muito mais. É também deixar de carregar em si o ranço de um poder pesado com propensão à tirania, mas tornar-se verdadeiramente democrático e sensível às formas agregadoras de relacionamento de trabalho.
Modernizar-se é não impor mudança apenas ao funcionalismo, mas também à magistratura, imprimindo-lhe mudança de uma mentalidade opressora encarcerada nos valores ultrapassados da aristocracia para outra mentalidade sinceramente humana.
Modernizar-se é manter-se tradicional e ao mesmo tempo sensível a aprender novos e modernos conceitos profissionais, e principalmente pô-los em prática.
Modernidade é não se sentir reis, deuses e os demais súditos, mas se entender e ser um agente do bem-comum.
Enquanto estes valores não forem assimilados, enquanto a prepotência imperar e o desrespeito for uma prática comum, estaremos em conflito naquela instituição: de um lado, um funcionalismo magoado; de outro, uma magistratura assombrada. É como se o TJPE vivesse uma ambiguidade experimentada pelos escravocratas, nos anos efervescentes que antecederam a Abolição da Escravidão no Brasil: – eu preciso modernizar a minha mentalidade para ser melhor, mas se modernizo a minha mentalidade posso perder o controle das tradições que tanto me beneficiaram até hoje.
Enquanto o TJPE continuar o alto da sua pose aristocrática elaborando projetos bizarros para seus funcionários; enquanto permanecer julgando de forma passional os processos de interesse dos seus servidores; enquanto adotar medidas injustas; enquanto necessitar oprimir as pessoas para se sentir no domínio da segurança institucional; enquanto continuar adotando um rigor que não adota para consigo mesmo, a fim obter o igual resultado jurisdicional, serão sempre os seus gestores os mais necessitados de capacitação acadêmica para o gerenciamento administrativo e para uma boa prestação do serviço jurisdicional.
Há que se enfatizar sempre que a capacidade para julgar não é capacidade para gerenciamento administrativo.
Ser um decano na magistratura não é garantia de ser um bom gestor.
Não se deve dizer qual modelo seguir, quando não se segue o modelo que acredita.
Virtude de uma corte, virtude dos súditos.
Defeito de uma corte, defeito dos súditos.
Que não se melindrem na exposição destes motivos!