Fábio Góis, do site Congresso em Foco Em 2 de junho de 2009, o Congresso em Foco revelou a existência de uma central de abastecimento de vídeos, CDs e jogos eletrônicos piratas dentro do Senado Federal.

Um caso de violação de direitos autorais que, em resumo, consistia no abastecimento da rede interna de computadores do Senado com milhares de obras artísticas, nacionais e internacionais.

Os arquivos continham as últimas produções do cinema em cartaz, CDs musicais recém-lançados e até jogos eletrônicos disputados em todo o mundo, tudo disponível a um simples clique de quem dispunha de senha de acesso.

Estava caracterizada irregularidade funcional utilizando-se o suporte de informática da Secretaria Especial de Informática do Senado (Prodasen).

O caso levou à abertura de inquérito pela Polícia Legislativa e, ao final das investigações, ao encaminhamento do processo à Justiça comum.

Depois de quase um ano de tramitação, no entanto, determinou-se o arquivamento do caso.

O arquivamento definitivo (sem possibilidade de recurso) foi determinado pelo juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel, do 1º Juizado Especial Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

A alegação do magistrado foi de que não houve “vontade inequívoca de violar, conscientemente, o direito autoral de outrem”.

Além disso, o juiz argumentou que não ficou comprovada a “propriedade intelectual” do conteúdo artístico – o mesmo que dizer que músicas da banda inglesa Pink Floyd, por exemplo, constantes de um dos arquivos, tinham sido manuseadas como obra de domínio público. “Ademais, analisando os fatos narrados nos autos, tem-se que as condutas imputadas aos autores não se amoldam ao tipo do artigo 184 do Código Penal Brasileiro [CPB], haja vista que não há nos autos comprovação da propriedade intelectual do material disponibilizado pelos investigados nos equipamentos referidos nos autos; também não se comprovou a originalidade das mesas, ressaltando-se que não houve perícia nas máquinas, nem visualização dos arquivos por parte da autoridade que presidiu as investigações”, destaca o juiz.

Em outras palavras, o magistrado diz que a Secretaria de Polícia Legislativa do Senado, a quem coube as investigações internas, não analisou os computadores utilizados no abastecimento irregular de obras artístico-culturais, por limitações técnicas e estruturais (falta de equipamento adequado).

Assim, segundo o entendimento da autoridade do Judiciário, não havia como comprovar tecnicamente a origem e a propriedade das obras, mesmo diante da evidência autoral de produtos nacional e internacionalmente conhecidos.

Informada sobre o arquivamento, a assessoria do Prodasen, em nota encaminhada à redação, declara que “mantém uma política de segurança realizando esclarecimentos e informando aos servidores do Senado o melhor uso dos recursos oferecidos”. “No caso em questão, a diretoria do Prodasen, assim que soube do fato, tomou as medidas cabíveis e encaminhou o assunto à Polícia Legislativa, que também cumpriu sua função institucional”, registra a secretaria.

A decisão do juiz foi amparada em parecer o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que recomendou o arquivamento do processo.

Em sua sentença, Frederico avaliza e praticamente repete a orientação da promotora de Justiça Rose Meire Cyrillo, da 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Brasília.

O parecer de Rose Meire demonstra as dificuldades de se punir violação de direitos autorais na rede mundial de computadores.

Esse é o principal tema de seu despacho, assinado em 21 de maio de 2010. “Qualquer um que tenha o devido equipamento pode acessá-la [a internet].

Como ficam, então, os direitos autorais neste universo? (…) Apesar de qualquer pessoa que tenha acesso à internet poder inserir nela material e qualquer outro usuário poder acessá-lo, os direitos autorais continuam a ter sua vigência no mundo on-line, da mesma maneira que no mundo físico”, contextualiza a promotora, sem mencionar que os arquivos eram movimentados na rede interna do Senado (intranet), e não por meio da internet, como o próprio Prodasen se apressou em esclarecer.

Citando teoria sobre o assunto, Rose argumenta que “a transformação de obras intelectuais para bits [sic] em nada altera os direitos das obras originalmente fixadas em suportes físicos”.

O que é passível de questionamento, diz, é o uso que se faz do produto intelectual.

Bem como o “emaranhado trabalhoso” da legislação sobre o assunto.

Rose aponta também “a grande facilidade de reprodução e distribuição de cópias sem autorização; a facilidade de criar ‘verdadeiras’ obras derivadas por meio da digitalização e a facilidade de utilização de textos e imagens oferecidos pela internet de forma ilegal”. “O arcabouço jurídico sobre o tema é um emaranhado trabalhoso de normas abertas e confusas que, no fundo, tornam o licenciamento muito oneroso e a persecução penal quase impossível, pois torna a proteção aos direitos autorais – que atualmente é territorial – obsoleta, diante da universalidade da rede de navegação”, observa a promotora, antes de mencionar, como repetiu o juiz Frederico, a falta de perícia nos computadores.

E, consequentemente, a impossibilidade de comprovar autoria e originalidade das obras.

Assim, conclui Rose, “nas condutas dos autores” não fica caracterizada “a vontade (dolo) inequívoca de violar, conscientemente, o direito autoral de outrem”.

De forma que não caberia, segundo a interpretação legal, a aplicação do artigo 184 do CPB (“violar direitos de autor e os que lhe são conexos”, que prevê pena de detenção de três meses a um ano, ou multa).

Muito menos, ainda segundo a promotora, constata-se a situação descrita no parágrafo 1º da legislação, que versa sobre o lucro direto ou indireto na utilização de obras sem autorização do autor (reclusão de dois a quatro anos, além de multa).

Modus operandi Músicas, filmes e jogos de computador ficavam guardados em pelo menos dois computadores, “Md0066” e “Md0067” – ambos “não se caracterizam como servidores de rede.

São equipamentos de utilização individualizada”. “A utilização deste recurso, bem como de todos os outros oferecidos pelo Prodasen, não autoriza a ninguém o desrespeito a qualquer lei. (…) A responsabilidade pelo uso indevido de determinado recurso cabe ao usuário que o fez.

O Prodasen está tomando as providências administrativas cabíveis”, justificou a secretaria, em nota encaminhada à redação em 2009, um dia depois da reportagem.

As pastas e os computadores eram utilizados pelo Serviço de Atendimento Remoto (Sarem) do Prodasen.

Na primeira pasta, o usuário tinha acesso livre a 6,4 gigabytes de música, dispostos em 51 pastas secundárias com discos de artistas variados – da cantora pop Nelly Furtado à banda de heavy-metal Megadeth, passando pelo rock do Pink Floyd e cantores como Rogério Skylab e Beto Barbosa.

Além disso, a Md0066 ainda oferecia uma versão do jogo eletrônico Warcraft, e mais 32,5gb de filmes da pasta KRATZL. “Kratzl” é um dos sobrenomes do funcionário terceirizado Alex Lasserre Kratzl.

Ele e Anderson Nicácio Mendes Montes, também terceirizado, admitiram “serem os responsáveis pela colocação daqueles arquivos nos equipamentos”, como registra o “termo de declarações”, com timbre do Senado, apensado ao processo.

No dia em que a reportagem foi veiculada por este site, o Prodasen retirou os arquivos da rede interna de computadores do Senado.

Alex e Anderson foram verbalmente advertidos por “uso da máquina administrativa para uso pessoal”.

Em seguida, “em decorrência da publicidade e dimensão dada ao fato”, a advertência foi formalizada por escrito. “Lembramos que, se houver reincidência, a empresa será obrigada a tomar demais medidas necessárias”, diz o ofício de advertência.

Em outro ofício – este encaminhado pela Subsecretaria de Suporte Técnico a Usuários (SSSTU) ao então diretor em exercício do Prodasen, Deomar Rosado – o Senado fala em “tom incriminador” da reportagem. “A SSSTU não dispõe de ferramentas de investigação (…).

No entanto, a despeito do tom incriminador da reportagem, a intenção dos funcionários não foi maliciosa e, acreditamos, a simples orientação quanto ao uso da ferramenta já deva resultar no propósito almejado”, diz trecho do documento assinado pelo diretor da SSSTU, Alan Silva, em 3 de junho de 2009.

Conteúdo pornográfico Ao todo, sete pessoas foram interrogadas, mas apenas Alex e Anderson foram responsabilizados nas investigações pelo abastecimento de arquivos.

Os funcionários eram contratados pelo Senado junto às empresas terceirizadas G&P Gennari e Peartree Projetos e Sistemas Ltda. e Aval Serviços Especializados Ltda., que prestam serviços de informática à Casa, junto à SSSTU.

Em seu depoimento, Alex admitiu ter criado a pasta com seu sobrenome e nela ter armazenado arquivos com filmes.

Além disso, ele disse que, eventualmente, compartilhava os filmes com outros usuários com acesso à rede interna do Senado.

Segundo o termo de declarações, o funcionário disse que, “ao contrário do noticiado pela imprensa, nunca fez cópias para venda ou mesmo cobrou pela disponibilização dos filmes”.

Alex disse ainda que “depois da notícia, houve uma reunião com o diretor da SSSTU, Alan Silva, em que foi determinado a todos os funcionários da Sarem, do Serviço de Atendimento de Relacionamento e do Serviço de Atendimento Presencial que limpassem os computadores que contivessem músicas e filmes”.

Ele e Anderson ficaram incumbidos de vasculhar a rede do Senado em busca de arquivos congêneres – Alex disse ter encontrado vários computadores com arquivos de imagem e vídeo, com “conteúdos diversos”, inclusive pornográficos.

Ambos contratados pela G&P, Alex e Anderson eram os responsáveis pelas estações Md0066 e Md0067.

Anderson disse que baixou arquivos de músicas e filmes em sua casa, depois os transferindo para a rede interna do Senado, ficando à disposição de “um grupo de técnicos da central”.

Anderson negou que o procedimento tinha objetivo de auferir lucro, até porque “não havia página de anúncio” e o acesso era gratuito e liberado entre os colegas.

Ele disse ainda ter certeza de que Alex também não visava lucro, e afirmou não ter conhecimento de que outro servidor abastecia a rede com produtos copiados.

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