Pedro Aníbal de Brito – Turismólogo e estudante do MBA em Marketing Amanhã (HOJE), logo ao raiar das primeiras horas, será dia de chegada de mais um navio da temporada de cruzeiros marítimos e uma grande nave atracará no histórico Porto do Recife.
A bela e imponente embarcação aportará cheia de turistas ávidos por conhecer os encantos da cidade.
São pessoas de diversos lugares do mundo, e misturadas a elas os brasileiros, a emergente classe de turistas global.
Destes visitantes, alguns já compram os passeios oferecidos pelas empresas de receptivo da cidade, diga-se de passagem: em confortáveis veículos.
E sem querer e saber, eles serão os mais afortunados e, certamente, os mais felizes ao retornarem para o navio após a breve visita.
Entretanto, não estou aqui para falar desses mais sortudos, e sim, daqueles que, infelizmente, escolheram conhecer o Recife a pés.
Pois, diferentemente daqueles primeiros, estes terão uma desagradável surpresa e cairão nas mais diversas armadilhas que o centro da cidade oferece aos inocentes, incautos e pobres ricos infelizes.
Logo no desembarque, nossos visitantes deparar-se-ão com um terminal de passageiros improvisado e serão recebidos por uma mixuruca orquestra de frevo e alguns poucos passistas como aperitivo da nossa rica cultura.
Ao iniciarem sua visita a pés, terão de fazer uma caminhada desagradável, apertada e arriscada – em fila indiana (como mostra a foto) – pela “calçada” da Av.
Alfredo Lisboa até encontrar um pouco ou nenhum traço de civilização quando chegarem ao Marco Zero.
Deste ponto em diante o sofrimento só aumenta.
Do Bairro do Recife à frente, eles irão encontrar: ruas fantasmas, sujas e fétidas a urina; sem placas de sinalização turística indicativa, tampouco explicativa; travessias inseguras; calçadas esburacadas; além dos tradicionalíssimos “cheira-colas” – alguns deles: punguistas de plantão, prontos e alertas para atacarem à próxima vítima.
Enfim, todo tipo de despreparo e agruras que hoje é vivido por um lugar que tem como principal atrativo e diferencial sua própria história e que deveria ter tido (e merecia) à felicidade de bons, zelosos e honestos governantes preocupados em cuidar do maior patrimônio de nossa Recife: Sua rica e inconfundível história.
E se eles não desistirem do passeio tão logo tenham o iniciado, terão ainda mais dificuldades ao retornar.
Pois, assim como na ida, na volta não terão ao seu dispor dispositivos indicando o caminho de regresso ao porto, e daí, para a segurança, o conforto e o luxo do navio em que estão.
Sequer adiantará a eles espalhar migalhas de pão pelo meio do caminho, tal qual no “Conto de João e Maria”, pois, pelo chão já estará toda sorte de sujeira, além é claro, dos pombos a comer os farelos deixados.
Quem já teve a oportunidade de visitar outras cidades, em outros países – e a maioria dos nossos políticos adora fazer isto –, sabe como é prazeroso conhecer um lugar caminhando.
Lá existe a oportunidade de se fazer paradas à vontade: seja para comprar uma lembrançinha a fim de presentear na volta um parente ou um amigo; olhar uma vitrine mais atentamente – e até comprar uma peça de vestuário que seja do seu agrado; tomar um cafezinho, beber uma água, fazer um lanche, almoçar; posar para uma foto; tomar uma informação no intuito de fazer amizades; enfim, sentir-se parte daquele lugar momentaneamente e comungar com os locais o que a cidade tem a lhes oferecer.
Este é o objetivo de ser turista.
No horizonte nos apontaram um paliativo.
Desde a grande reforma promovida no começo do século passado, no Bairro do Recife, não se via uma intervenção de tão grandes proporções quanto à das obras que foram anunciadas pelos governos – federal e estadual – para a revitalização da área portuária.
Entretanto, o descaso histórico dado a todo o centro da cidade, seja pelo abandono dos edifícios, a falta de conservação de ruas e calçadas e a permissividade na ocupação dos espaços públicos pelos ambulantes, nos levou gradativamente à situação de desleixo que nós nos encontramos hoje.
E ainda por cima corremos o risco de ver a paliativa obra empacar, tal qual vem acontecendo com a Via Mangue e o Viaduto Capitão Temudo.
Hoje o que Temos para mostrar, sem sentir vergonha, são os grandes shoppings, ilhas de civilidade.
Mas existem nas cidades mundo afora outros tão grandes e modernos assim como os nossos.
A diferença é que lá, no exterior, se pode escolher a paisagem que se quer passear: se num ambiente fechado ou a céu aberto.
Aqui a qualidade entre um e outro local é um abismo imensurável.
Ainda aqui, de forma infeliz, e principalmente nos últimos 10 anos, se tem alardeado bastante o slogan “cuidar das pessoas”, e agora o tal do “primeiro fazer, depois mostrar”.
Tem-se relegado ao segundo plano o esmero com um bem maior que é a própria cidade, e em particular o Centro expandido.
Lá se encontra o maior tesouro a céu aberto e democrático que temos, e onde estão às raízes históricas da cidade. “E um povo sem história não se reconhece como povo e não cria laços com seu passado e nem se importa com o seu futuro”.
Amanhã eu já sei.
Vai chegar um navio cheio de gente querendo conhecer a minha casa, a cidade que moro.
E poderíamos até lucrar mais com a atividade turística.
Pois, em se tratando de turistas: um sorriso no rosto afrouxa-lhes o bolso.
Mas vou sentir vergonha.
E ter de pedir muitas desculpas e dar muitas explicações: pelo lixo na rua; pelos buracos nas calçadas estreitas; pelos camelôs desordenados; pela falta de sinalização; pelos veículos que avançam sobre os pedestres (como animais selvagens sobre a presa); pelos assaltos (que alguns muito provavelmente irão sofrer); e me desculpar por mais uns tantos outros problemas esperados e inesperados.
E eles não vão olhar às vitrines, nem tomar um cafezinho, nem beber uma água, tampouco posar para uma foto.
Eles vão é voltar, de taxi, para o porto e gastar seu rico dinheirinho dentro do navio.
E certamente falar horrores do lugar que amo.
Tudo isso porque a maioria da população não soube escolher os seus dirigentes.
E estes seus auxiliares.
E todos eles, ditos esclarecidos, se aproveitaram disso para nada fazer ou calar a boca das pessoas com migalhas: seja por um Bolsa Família que vem; um murozinho de arrimo aqui, um postozinho de saúde (sem médico) ali; uma escola (falida) acolá.