Do Blog Vox Publica, do Estadão Na campanha presidencial de 1960, Jânio Quadros repetia sempre o mesmo discurso moralizador em todos os comícios pelas capitais do País.
Seu candidato a vice e 17 anos mais velho, o senador Milton Campos lançava um improviso diferente a cada parada da comitiva.
Querendo ser simpático com o companheiro que mais tarde trairia, Jânio puxou conversa com o vice.
Demonstrou admiração com a capacidade inventiva do mineiro, sempre inovando o tema dos discursos.
E Campos: “Não é imaginação, meu filho; é falta de memória mesmo”.
A presidente Dilma Rousseff está mais para Milton Campos do que para Jânio Quadros: especializa-se em moldar as palavras de acordo com a audiência.
Não por falta de memória, mas por pragmatismo.
Foram 33 pronunciamentos oficiais no figurino de presidente, incluídos o discurso de diplomação no Tribunal Superior Eleitoral e o breve juramento de aceitação do cargo.
No conjunto das palavras mais usadas, destacam-se “Brasil” e “país”, o que é quase obrigatório.
Em terceiro lugar vem “todos”, depois “governo” e “grande”.
Esta última dupla é uma coincidência, não uma associação.
Nada a ver com sua intervenção para trocar o comando da Vale.
São todos lugares-comuns nos discursos de qualquer presidente.
Excluídos da análise, abrem espaço para os termos que diferenciam um governante do outro.
Dilma usa mais “mulheres” e “brasileiras” do que o antecessor.
Pode parecer óbvio, mas não é.
Ela intensificou as referências femininas desde a posse. É uma de suas marcas e, ao mesmo tempo, seu calcanhar-de-aquiles.
Apesar de entrar na história como primeira “presidenta” do País, durante toda a campanha eleitoral ela teve mais dificuldades para conquistar o voto feminino do que o masculino.
A ênfase agora nas mulheres reforça sua identidade e é estratégica para sua popularidade.
De Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma aprendeu que, ao menos no discurso, “gente” e “povo” são mais importantes do que “milhões” e “bilhões”.
Vis-a-vis seus pronunciamentos quando era uma presidenciável neófita, sua fala depois de eleita é mais “humana” e menos cifrada.
O melhor indicador do pragmatismo discursivo de Dilma é o emprego que faz da palavra-chave de sua eleição: “Lula”.
Na campanha, ela usou o nome do patrono tanto quanto pode, para alavancar votos.
Depois de eleita, a referência ao antecessor é recorrente, mas seletiva.
Nos seus 33 pronunciamentos presidenciais, Dilma falou o nome de Lula 58 vezes.
Descontadas ocasiões em que citá-lo estaria fora do contexto, como no juramento presidencial, ou durante visita oficial à Argentina, a média de quase duas menções por discurso afasta insinuações de ingratidão ou de distanciamento entre criador e criatura.
Mas toda média omite detalhes reveladores.
Nas duas vezes que foi ao Nordeste e discursou, Dilma esbanjou citações ao padrinho.
Seu recorde foram nove “Lulas” ao falar durante o fórum de governadores nordestinos em Aracajú, em 21 de fevereiro.
Pouco mais de uma semana depois, de volta à região, Dilma tascou seis “Lulas” em um discurso em Irecê, na Bahia, e, horas mais tarde, em Salvador, repetiu o nome do antecessor mais três vezes.
Em nenhum outro lugar do Brasil Lula é mais admirado do que no Nordeste.
Mas em um terço dos seus discursos, Dilma preferiu não mencionar Lula.
Quando falou sobre a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, no fim de janeiro, ela talvez tenha feito um favor ao presidente que deixara o cargo havia menos de um mês ao não associá-lo ao desastre.
Dilma silenciou sobre Lula em outras situações onde era estratégico demonstrar independência: no seu primeiro pronunciamento em cadeia de rádio e TV, ao discursar no aniversário de 90 anos do jornal “Folha de S.Paulo” e ao receber a ordem do mérito das Forças Armadas, por exemplo.
O “Lulômetro” de Dilma é a contrapartida do “Dilmômetro” de Lula durante a campanha presidencial.
Entre 2009 e 2010, a intenção de voto em Dilma cresceu na proporção que o então presidente repetia mais vezes o nome de sua candidata.
Agora, pode ser um termômetro da relação dos dois.
Por ora, indica estabilidade e pragmatismo.