Paulo Moreira Leite, no blog Vamos combinar, da Época Confesso que estou incomodado com a eficiencia dos defensores do mandato do deputado Jair Bolsonaro.
Concordo que é possível alegar que, apesar de seu caráter repugnante, as declarações de Bolsonaro contra a democracia, seus ataques ao negros e aos homossexuais configuram expressões do direito de opinião.
Não sou jurista.
Mas concordo que, a se demonstrar essa tese, seu mandato deve ser preservado em nome do respeito a soberania do voto popular — esse fundamento do regime democrático que nem sempre é recordado com o mesmo vigor. É lamentável constatar que Bolsonaro tem recebido um tratamento desnecessariamente amigável por parte de observadores que poderiam demonstrar mais interesse em apurar as repercussões e reflexos de seus ataques.
Embora os crimes de natureza racista tenham se tornado mais raros — ou menos explícitos — os ataques contra homossexuais tornaram-se uma dessas pragas permanentes das grandes cidades brasileiras.
Os jornais trazem relatos diários de espancamentos que, vez por outra, terminam em morte.
Alguém ousaria negar — por princípio — que os escandalosos ataques verbais de Bolsonaro servem de estímulo a esse comportamento?
Será possível acreditar que os delinquentes que perseguem homossexuais pela madrugada não consideram tais palavras um estímulo e uma aprovação para atos violentos?
Eu gostaria de ouvir as opiniões de especialistas e estudiosos da psicologia social.
Por que não se abre espaço para lideranças negras e/ou homossexuais dizerem o que pensam?
Será correto isentar o deputado de qualquer responsabilidade nessa matéria, nem que seja com inspirador distante?
Seria errado imaginar que possa estar servindo de exemplo para jovens desorientados, que não “foram muito bem educados,” como ele gosta de dizer?
O truque do deputado para escapar de qualquer punição consiste numa operação classica de quem pretende fugir às responsabilidades por uma declaração inaceitável e vergonhosa prestada no programa CQC, em que respondia a uma pergunta de Preta Gil.
O deputado disse: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja.
Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavalmente, é o teu.” A tese pós-escândalo é que ele não entendera a pergunta — e que sua resposta está fora do contexto.
Bolsonaro alega que não sabia que a pergunta se referia a negros, deixando a sugestão de que seria menos culpado porque teria manifestado um outro tipo de ofensa e preconceito, contra homossexuais, atitude que seria menos grave do que manifestar preconceito contra negros. (No esforço para demonstrar que não é uma pessoa racista, o deputado sustenta que é casado com uma mulher negra.
Ontem, a Folha ouviu seu cunhado, que se diz negro e afirma que o deputado não é racista).
Não acho que a defesa de Bolsonaro tenha consistência.
O fato de uma pessoa ser casada com uma pessoa negra não impede que tenha preconceito contra negros — em geral.
Em sua resposta a Preta Gil ele separa seus próprios filhos do ambiente de promiscuidade que, “lamentavelmente,” é o dela, diz.
Sejamos sérios: considerando a cor da pele de Preta Gil, e que a resposta se dirige a ela, diretamente, fica difícil dizer que ele tinha outro alvo quando fala em “promiscuidade” e em “ambiente.” Na prática, o esclarecimento do deputado só complica sua situação.
Permite concluir que ele não só atacou uma pessoa negra e o ambiente em que foi educada — mas que, numa só frase, também atacou homossexuais.
Como disse desde minha primeira nota sobre este episódio, não vejo, até agora, nenhum fato que indique a possibilidade de cassar seu mandato.
Confesso que acho bom ser cuidadoso nesta matéria, até porque uma cassação de mandato por motivos de opinião pode abrir precedentes perigosos.
Não deixa de ser curioso observar, de todo modo, que se demonstrou um grau de cuidado muito menor quando se debateu, por exemplo, a preservação do mandato do deputado Tiririca, acusado de não saber ler nem escrever.
Ninguém parecia preocupado com o voto do eleitor, naquele momento.
Vamos combinar que os dois casos são muito diferentes em vários aspectos.
Tiririca tem muitos defeitos mas, para começar, Tiririca não representa nenhuma ameaça a democracia.
Engraçado, não?