Por Waldemar Borges, especial para o Blog de Jamildo Há uma reflexão que precisa começar a ser feita de maneira mais sistemática, sobretudo pelos segmentos que, ao contrário da classe média, não conseguiram “privatizar” o atendimento de suas necessidades e têm na esfera pública a única opção de acesso a serviços como educação, saúde, formação profissional, segurança, e outros de igual importância.
Para além do que hoje já se encontra consagrado na legislação, as experiências acumuladas nesses últimos anos já permitem, ou exigem, uma discussão mais ampla, subordinada aos interesses da cidadania.
Uma discussão que ajude a definir a linha tênue que separa o legítimo exercício do direito de uma categoria e a penalização dos segmentos mais sofridos da população, pelo abuso no uso desse direito.
Nos últimos anos, temos vivenciado, em todo o país, situações em que reivindicações de servidores públicos de todas as esferas e poderes do estado, têm produzido conflitos de perniciosas consequências para todos.
No centro desse conflito, encontram-se três atores claramente definidos: o estado, tido como patrão por alguns; alguns setores do funcionalismo público; e o cidadão-usuário.
O primeiro, historicamente vitimado por interesses segmentados, foi, ao longo de muitos anos, sangrado.
Seja pelo fisiologismo eleitoreiro, seja pelo corporativismo descomprometido, ou, ainda, pela gula dos “capitalistas sem risco”, o estado brasileiro tem sido apropriado de diversas formas, todas responsáveis, em maior ou menor grau, pelo desvirtuamento de suas funções.
O funcionalismo, nesse contexto, sofre também graves contradições.
Parte de um estado inchado e, em muitos casos, desaparelhado, os servidores públicos vocacionados e comprometidos, pagam um preço alto por culpa daqueles que não agem com a mesma seriedade como fazem.
No final das contas, são tratados, sob vários aspectos, da mesma forma como são os que nada produzem.
Na prática, isso significa ter que dividir o que lhes cabe com quem efetivamente pouco faz por merecer.
No meio desse conflito está o cidadão comum, o usuário dos serviços públicos.
Pessoas, na maioria das vezes, sem conexões diretas com o poder, sem cobertura de nenhuma corporação e sem possibilidade de “privatizar” suas vidas.
São elas que de fato pagam a conta pelo conflito entre os interesses particulares que aprisionam o estado, venham eles de onde vierem.
O pior é que, ao contrário da esfera privada, nos conflitos trabalhistas da esfera pública, não há instâncias formais mediadoras, capazes de evitar o atrito direto entre as partes, o que resulta, muitas vezes, em abusos que a sociedade não tolera mais.
Em boa hora, a cidadania está aumentando sua voz para cobrar o que lhe é devido.
Dos governos, que resgatem a qualidade do serviço público, o que significa investimentos expressivos nas áreas essenciais, tendo a questão salarial como parte importante, mas não exclusiva, desse esforço.
E mais: que impeça ingerências indevidas, estimule quem produz e puna aqueles que não dizem a que vieram.
Das corporações, cobra-se que, além das reivindicações históricas, passem também a cobrar dos seus integrantes o cumprimento das obrigações mais elementares de um servidor e não permitam que os segmentos mais sofridos da população sejam feitos de reféns, sobretudo pelos que não cumprem essas obrigações elementares.
Em outras palavras, a sociedade quer separar o joio do trigo e não aceita mais ser vitima dos mesmos velhos discursos dissociados dos interesses verdadeiramente coletivos (as urnas disseram isso com eloqüência).
Até porque tem sido testemunha dos investimentos que vêem sendo realizados na saúde, na educação, na segurança, na capacitação, só para destacar algumas das áreas mais relevantes.
O próprio funcionalismo sabe que em Pernambuco, nos últimos quatro anos, nenhuma categoria recebeu reajuste abaixo da inflação do período.
Ao contrário, por ser a questão salarial parte importante do resgate do serviço público, há, em nosso estado, um processo de recuperação em curso, embora ainda não suficiente para recompor todas as perdas anteriores, algumas acumuladas por vários anos. É nesse contexto que se coloca a questão da oportunidade, ou não, da paralisação de um serviço essencial à população.
Até que ponto isso é justo para quem paga pelo serviço?
Essa reflexão deve ser feita coletivamente.
Servidores públicos, lideranças sindicais e populares, parlamento, entidades defensoras dos chamados interesses difusos, enfim, todos devem ajudar a construir um serviço público de qualidade, que valorize o servidor que trabalha, sem penalizar, todas as vezes que se pleiteia aumento, as camadas populares que já enfrentam tantas adversidades nas suas lutas diárias. *Waldemar Borges é deputado e líder do Governo na Assembléia Legislativa de Pernambuco