Em O Globo BRASÍLIA - Além dos desvios milionários, o Sistema Único de Saúde (SUS) é corrompido por informações falsas em seus cadastros, que permitem a médicos manter o credenciamento em até 17 unidades de saúde, e abrem brechas para o comércio de CPFs com o objetivo de burlar as regras do Programa Saúde da Família (PSF).
Como revela reportagem de Roberto Maltchik, publicada pelo GLOBO nesta segunda-feira, as irregularidades prosperam no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde e suas consequências ficam explícitas em relatórios do próprio governo.
Segundo a Controladoria Geral da União (CGU), em mais de 40% dos municípios, as equipes de saúde da família não cumprem a carga horária.
Em 36,5% das 982 cidades fiscalizadas de 2004 a 2009, o atendimento foi considerado deficiente.
Nos cadastros do SUS, o psiquiatra Klecius Ramos Mota, de Cocal (PI), é onipresente.
Ele tem 17 vínculos, dos quais 16 seriam com o SUS em duas cidades do Piauí e um no Maranhão.
Assim, sua carga de trabalho semanal chegaria a 34,14 horas diárias, sete dias por semana.
Já o médico Antônio Nivardo Vieira trabalharia 21,7 horas diariamente, com seus 13 vínculos e 152 horas de trabalho semanais.
O que liga esses dois profissionais são os vínculos de 40 horas semanais com o Hospital Regional de Araioses, no Maranhão.
Nivardo diz que há oito anos não pisa na unidade, apesar de o cadastro ter sido atualizado pelo município no último dia 17.
Segundo ele, trata-se de um jogo de Araioses para ganhar mais dinheiro do SUS: - Quando é para renovar o cadastro junto ao SUS, eles têm que ter a equipe para poder apresentar.
Aí, usam indevidamente o nome da gente para fazer esse tipo de coisa.
Meu nome também aparecia lá na Apae de Magalhães de Almeida (MA), mas nunca fui lá - diz o cirurgião, que hoje se dedica à clínica particular e, no tempo que sobra, atende na Unidade Básica de Saúde de Cocal (40 horas) e em outras duas unidades.
O médico aponta a indiferença do Ministério da Saúde: - Há uns dois anos, telefonei para o ministério em Brasília para denunciar isso; eles se prontificaram a tomar providências, mas ficou só naquilo mesmo.
Como o Ministério da Saúde passou a suspender os repasses em que há duplicidade de integrantes das equipes de Saúde da Família, uma nova modalidade de fraude ganha corpo e está sendo investigada pelo Ministério Público no Piauí e no Maranhão.
Médicos alugam ou pedem emprestado o CPF e o CRM de colegas para trabalhar em duas ou mais cidades.
Só no Piauí, a fraude já foi detectada em São Miguel do Tapuio, Dom Expedito Lopes, Jardim do Mulato e Nossa Senhora dos Remédios.
Em Nossa Senhora dos Remédios, são 17 casos confirmados por auditores do SUS: sete médicos, sete dentistas e três enfermeiros.