Na Folha de São Paulo Oportuno.

Não há outra palavra para qualificar o lançamento nesta semana, em São Paulo, de “Energia Nuclear - do Anátema ao Diálogo” (ed.

Senac), justamente após os graves eventos na usina nuclear de Fukushima, no Japão.

Eventos com potencial para conduzir parte do mundo a um risco sem precedentes na história.

Com textos de quatro especialistas, o livro de 131 páginas -organizado por José Eli da Veiga, professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo)- acaba de sair do forno.

Nele, duas visões diametralmente opostas e uma ponderação (a do organizador) trazem um debate rico em dados que nos instiga a responder à questão que aflige o homem desde que Otto Hahn mostrou possível um nêutron dividir o núcleo de um átomo (fissão nuclear): essa energia é uma opção para a humanidade?

O livro diz sim e diz não.

Afora as incertezas (que não são poucas), a defesa de parte a parte é consistente.

A sucessão de eventos pós-terremoto e pós-tsunami no Japão pesa a favor do não.

Mas a defesa do sim tem argumentos que levam à reflexão.

O físico José Goldemberg e o assessor técnico da Se- cretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo, Oswaldo dos Santos Lucon, consideram que as apostas dos governos (sobretudo os de países em desenvolvi- mento) são um erro.

Argumentam que o custo de um reator (de sua construção ao seu desmantelamento -uma exigência ao final da vida útil) não está devidamente mensurado no mundo.

O acondicionamento de rejeitos de baixa, média e alta atividades radioativas é algo ainda não resolvido, mas sabidamente custoso.

Segundo os autores, os EUA constroem há 25 anos o único depósito geológico definitivo do mundo, em Yucca Mountain, em Nevada.

O projeto já consumiu US$ 38 bilhões e não está pronto.

Mais: é projetado para 70 mil toneladas de rejeitos, mas os 104 reatores ativos nos EUA já produziram 49 mil toneladas desse lixo indesejável, hoje acondicionado em piscinas especiais espalhadas pelo território.

O Brasil nem sequer tem um plano concreto para resolver o destino definitivo dos rejeitos de Angra 1 e 2, mas o Ibama determinou que o país só poderá ligar Angra 3 (em construção) se disser como vai resolver a questão do lixo atômico.

Os autores também acham que a contabilidade sobre emissões evitadas de gases de efeito estufa com a ener- gia nuclear não é bem apurada.

Era esse, aliás, o argumento mais atual para justificar a retomada dos projetos de usinas atômicas.

João Roberto Loureiro de Matos, diretor do CDTN (Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear), e Leonam dos Santos Guimarães, assistente do diretor-presidente da estatal Eletronuclear, consideram a energia nuclear a grande solução para o atendimento da demanda mundial de eletricidade.

MAIS ENERGIA O crescimento da população mundial (que deve alcançar 9 bilhões de seres humanos em 2050) exigirá do planeta um volume estratosférico de energia.

Sem uma opção tecnológica mais limpa (do ponto de vista das emissões), haverá um gran- de problema. “A humanidade há de consumir mais energia do que o total utilizado em toda a história passada. (…) A concentração intensificada de gases de efeito estufa vai chegar a um ponto sem retorno, em direção a uma catástrofe climática”, escrevem os autores.

E arrematam: “A raça humana não pode alcançar uma revolução global de energia limpa sem uma imensa expansão de ener- gia nuclear”.

Pode ser energia para os carros elétricos, mas pode ser também para garantir a produção em escala de água dessalinizada, quem sabe a única forma, no futuro, de garantir suprimento de água doce para a humanidade.

Enfim, diante de uma inoportuna catástrofe, um oportuno livro.