Presente de grego Por Joca Souza Leão O presente não era um cavalo nem era de pau, mas também veio com surpresas no bojo.

Em 1988, um deputado constituinte pernambucano tava sem ter muito o que fazer, coçando a pança, quando lhe veio a sanchesca ideia: “A ilha é nossa!” E pronto.

Ganhamos Fernando de Noronha de volta (já tínhamos nos livrado dela em 1942, quando passou a território federal).

A danada tava lá, no seu canto, na mão da União, para as estripulias do administrador Fernando Mesquita, amigo de Sarney.

Mas o deputado conseguiu.

Presentinho de grego.

Viajar de navio e conhecer Noronha eram desejos antigos.

Realizei-os de uma tacada só.

Fui a Noronha de navio.

E gostei dos dois.

A primeira vez a gente nunca esquece.

E se for primeira e única, então, aí é que não esquece mesmo.

Assim sendo, por lealdade à memória e aos bons momentos vividos no mar e em terra mais ou menos firme, não darei chance à segunda vez.

A primeira foi – e será – a última.

Indelével na minha memória (até que o Alzheimer a coma pelas beiradas).

Explico.

Navio é um hotel arretado, de cinco, seis estrelas, só que flutuante.

De fato.

Mas prefiro hotel que não sai do canto.

Dos que a gente entrega a chave na portaria e sai.

Quando volta, ele ta lá, paradão, no lugar dele.

A ilha é linda, maravilhosa!

Se você nunca foi a uma ilha oceânica, vá.

Sabe lápis de cor azul-marinho? É a cor do oceano.

Norte, Sul, Leste e Oeste, pra todo lado é aquele azulão.

As pedras e os morros do Pico e Dois Irmãos (ou Fafá de Belém) completam o cenário.

Num único dia, a gente percorre os quatro pontos cardeais, passeia de barco e come bolinho de tubalhau (bacalhau de tubarão) com cerveja morna.

E quem gosta de mergulhar mergulha com peixinhos e peixões.

Pôr do sol deslumbrante.

Lua e céu estrelado como nunca se viu.

Aí, cansado e queimado (nos dois sentidos), cama! (Dependendo da pousada, caminha mais ou menos, mais pra menos; café da manhã, idem).

Tirando a paisagem, tudo pelos olhos da cara.

Vai pra ilha quem tem.

Mas no bojo do presentinho, nossos gregos mandaram as faturas pra Pernambuco pagar em nada módicas prestações diárias.

E pra sempre.

Nosso estado arrecada algo em torno de R$ 13 milhões por ano em Noronha, entre taxas e impostos.

Só com a folha de pagamento, desembolsa R$ 16,5 milhões.

Somando tudo e trocando em graúdos, a ilha nos custa a bagatela de R$ 48 milhões/ano.

Todo mundo paga pra ir à ilha.

Nós, no entanto, pagamos e pagamos caro por cada um que bota os pés lá. (Pequeno detalhe: Pernambuco só administra 1/3 da ilha.

Os quase 70% restantes formam o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, administrado pelo IBAMA, com a maior densidade de fiscais ambientais do planeta, um para cada dez quilômetros quadrados.

E eles ainda cobram taxa pra quem entra no Parque).

Tudo que se consome na ilha vai daqui, de barco ou avião.

Vai e volta.

Vai comida, bebida, água, remédio, funcionários públicos, tudo.

E volta lixo.

Vai saúde, educação, segurança e vêm os doentes e parturientes para os hospitais e maternidades daqui.

Quer dizer, nem tudo vai daqui.

Turista, mesmo, a maioria vai pra lá via Natal.

A taxa de embarque fica no Severo Gomes.

Ouvi de um figurão do trade turístico que passageiro pra Noronha que passa por aqui não sai nem do Guararapes.

Faz escala ou conexão e tchau!

Na ida e na volta. “E esse papo de que Noronha promove o turismo de Pernambuco é furado.

Ninguém nem sabe que a ilha é nossa.” Aliás, só é nossa, mesmo, quando sai no Jornal Nacional (a ilha é o paraíso dos globais) dizendo que tá faltando ovo e que a gasolina e o gás de cozinha são os mais caros do mundo.

Noronha é bom negócio para um punhado de gente. É bom pra dono de pousada (que cobra tarifa de hotel cinco estrelas), pro dono do único posto (que vende a gasolina e o gás mais caros do mundo), agências e operadores de turismo, empresas de aviação e, até, para o Brasil, que vende ao mundo a imagem de país que preserva um santuário ecológico.

Só não é bom negócio pra gente, os bestas dessa história, que não ganham nada, nem fama, e ainda pagam a conta.

Os troianos podiam ter devolvido o presente pros gregos.

Podiam.

Mas não devolveram.

E se ferraram.

A gente pode.

E deveria.

Educadamente. “Obrigado, Brasil, mas taí sua ilhazinha de volta.” E ainda cobrar indenização por esses 23 anos de prejuízos.

Ilha tem quem pode.

Ou quem não tem juízo.

Joca Souza Leão é preservacionista.

Apesar de não ser Sancho Pança, bem que gostaria de ter uma ilhazinha pra cuidar.

Subsidiada, claro.