Lu Aiko Otta, do Estadão A presidente Dilma Rousseff herdou um problema fiscal mais sério do que o desequilíbrio que forçou o governo a programar um corte de R$ 50,1 bilhões nas despesas deste ano.
A causa seria a maquiagem das contas de 2010, numa estratégia que vem sendo repetida desde 2003.
O alerta é do economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A suspeita surgiu porque o bolo de despesas iniciadas em 2010 cujo pagamento ficou para este ano, os chamados restos a pagar, foi muito grande: R$ 128,8 bilhões.
Esse valor não aparece no Orçamento.
Ou seja, o corte não o afetou, e ele continua exercendo pressão sobre o caixa. “O governo tem um problema com sua gestão fiscal ainda maior do que aquele que aparece nas análises do orçamento aprovado”, diz Mansueto na nota técnica Restos a Pagar e Artifícios Contábeis.
O secretário do Tesouro, Arno Augustin, informou que só pretende quitar R$ 41,1 bilhões em atrasados em 2011.
As demais despesas, muitas ainda em fases iniciais de contratação, deverão ser canceladas.
A possibilidade de “calote” nos restos a pagar acendeu sinais de alerta no Congresso, pois a maior parte deles se refere a emendas de parlamentares ao Orçamento de 2010.
Desde 2006, o volume de restos a pagar vem crescendo continuamente.
Ao mesmo tempo, o montante em pagamentos de atrasados que ocorreu no ano seguinte também cresceu.
Para Mansueto, isso sugere a existência de uma espécie de orçamento paralelo, o dos atrasados. “Isso permite ao governo mostrar que está sendo feito um esforço maior de contenção de despesas, quando o que de fato ocorreu foi a postergação de pagamentos”, comentou.
Além da maquiagem, outra razão para essa prática seria o Executivo obter maior liberdade para escolher onde alocar os recursos disponíveis: se para pagar os restos ou para executar o orçamento do ano.
Este ano, por exemplo, Dilma tem R$ 48,3 bilhões em restos a pagar.
Esse volume é o mesmo do que foi investido no ano passado inteiro.
Desconfianças “Se você me perguntar se eu tenho certeza que há maquiagem, ou vou dizer que não.
Mas tenho desconfiança, porque o saldo só cresce e a execução (pagamento) de restos a pagar também”, disse o economista.
Em 2004, a quitação de restos a pagar foi de R$ 5,67 bilhões.
Em 2010, atingiu R$ 44,18 bilhões.
O resultado das contas do governo central em janeiro explicitou o truque.
As despesas deram um salto de 24% em comparação com o mesmo mês no ano passado, enquanto em dezembro a taxa de incremento havia sido bem menor: 4,6%.
Assim, os números indicam que o governo segurou despesas em dezembro e recuperou o atraso em janeiro.
Pelos cálculos do economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, a quitação de atrasados em janeiro pode ter sido da ordem de R$ 5 bilhões.
Além de adiar pagamentos, o governo ainda recorreu a manobras contábeis para melhorar o resultado de 2010, como o aumento das receitas em R$ 31,9 bilhões decorrente da capitalização da Petrobrás.
Ainda assim, o setor público fechou suas contas de 2010 com um resultado equivalente a 2,78% do Produto Interno Bruto (PIB), quando a meta era 3,1% do PIB.
A prática de empurrar despesas para o futuro e assim melhorar o resultado fiscal de um ano vem sendo utilizada desde 2003, quando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ganhou prestígio e credibilidade do mercado financeiro ao anunciar a elevação da meta do superávit primário (economia de recursos públicos para pagamento da dívida pública) de 3,75% do PIB para 4,25% do PIB.
Naquele ano, o saldo de restos a pagar aumentou de R$ 4,2 bilhões para R$ 7,95 bilhões.
Foi um crescimento de R$ 3,7 bilhões, ou 0,25% do PIB do ano.