Por Gustavo Krause Não se trata de análise literária da obra de Drummond, publicada no ano de 1951, na qual o autor revela a maturidade dolorida do envelhecer e ingressa numa fase místico-esotérica. É bem mais simples: apenas ressaltar que o título da obra revela um impasse. “Enigma” é algo a ser decifrado, portanto obscuro e sobre o qual pairam dúvidas. “Claro” nega o enigma e dá respostas.

A cena política brasileira está dominada por um “Claro Enigma”, protagonizada, de um lado pela Presidente Dilma, o Enigma, de outro, pelos analistas de plantão que, pressurosos, buscam decifrar o Enigma com respostas precárias.

A propósito, o governo mal começou, ou melhor, mal continuou.

Começou ou continuou?

Para evitar confusão, o fato é o seguinte: o Brasil tem nova direção sob a batuta da Presidente que sentou na cadeira faz cerca de sessenta dias.

Ainda assim, governistas empedernidos, analistas chapas-brancas e até críticos ferozes do lulo-petismo (para realçar os defeitos do antecessor) se encantam com a economia de palavras e o estilo “sóbrio” da Presidente; aplaudem as medidas de austeridade fiscal; enxergam sinais de bons costumes no chega prá lá que ela deu nos chefões do PMDB na Câmara, o notório Deputado Eduardo Cunha (RJ) e o líder da bancada Deputado Henrique Eduardo Alves (RN); encaram como uma guinada na política externa o discurso, apenas o discurso, de oposição aos velhos amigos do antecessor, tiranos reincidentes na agressão aos direitos humanos, agora sob o fogo cruzado das sociedades oprimidas.

Exageros à parte, a constatação sensata não se contamina com referências extremas de comparação: de um lado, o cruel e deselegante discurso segundo o qual o “poste”, ungido pelo prestígio do antecessor, não passa de uma costela de Lula; de outro lado, a sombra espessa do antecessor segue como ameaça permanente sobre a sucessora na busca de uma identidade que, ao contradizer um estilo que deu certo, assuma personalidade própria e caia no goto do povo.

Com efeito, neste variado surto de palpites e especulações, destacam-se duas evidências: primeira, a Presidente é dona, beneficiária, herdeira e gestora de uma herança, digamos, para seguir a linguagem de Lula em relação ao governo FHC, maldita.

Não há outro, senão o árduo caminho de adotar medidas austeras de controlar a inflação, o desequilíbrio das contas públicas, o nó do câmbio e seguir refém do apetite voraz da base aliada, desta vez, com o PT engolindo o PMDB; segunda, é a obra dos marqueteiros do Planalto que aproveitam o recolhimento/encolhimento da figura presidencial para construir uma aura majestática com aparições reduzidas sob a medida da necessidade e com o discurso pautado pela racionalidade gerencial.

Com esta estratégia, os sábios do marketing político mudam o espetáculo midiático, inspirado na velha e eficiente fórmula “pão e circo”.

Dosando a presença da imagem presidencial, recauchutam o material fatigado pela overdose da teatralidade lulista.

No picadeiro do circo eletrônico, o ator/presidente usava e abusava da coreografia peripatética e com sua inconfundível rouquidão recitava piadas sem graça; brindava “eles”, as “zelites”, os representantes do mal, com a linguagem chula das ofensas grotescas; repetia surradas metáforas futebolísticas e não esquecia de manifestar generosa compreensão com os representantes das tiranias sobreviventes.

Na platéia, o esgar dos sorrisos antecipados aos gracejos das frases de efeito fazia escorrer a baba bovina dos aduladores.

Palmas, palmas, muitas palmas: mãos que afanam e mãos que afagam fundiam aplausos dos muito ricos com os dos muito pobres, estes últimos sinceramente agradecidos pelos óbolos distribuídos pelo Salvador.

Deu tudo certo. É a lição dos fatos e fatos não se agridem.

Felizmente, a democracia, apesar de todos os seus defeitos, estabelece data certa para que os governos cheguem ao fim.

Sem rupturas patrocinadas pelo argumento da força.

E ao fazer a roda girar, permitiu o alívio de, à noite, o cidadão brasileiro tomar sopa e café com pão sem a zoada da logorréia presidencial.

Por enquanto, é aguardar.

Somente o tempo e as circunstâncias poderão responder ao enigma sem que a esfinge nos devore. “Claro Enigma”, contradição em termos, se encaixa, apenas, na licença que é dada a um tipo raro e especial de pessoa: o poeta.