O supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Nunes, é quem coordena os mutirões carcerários que analisam processos de detentos e permitiram que 28,6 mil pessoas que não deveriam estar na cadeia fossem postas em liberdade.
Percorrendo os complexos presidiários do país, Nunes é avesso à prisão para criminosos de menor potencial e acredita que é preciso se fechar aporta de entrada dos presídios e abrir a de saída.
Em entrevista ao iG, o conselheiro, que é juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª região e indicado ao CNJ pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), defendeu uma inversão no que considera ser parte da cultura brasileira.
No caso, a ideia de que um processo só dá certo quando o acusado é levado para a prisão.
Para ele, essa cultura contribui com a superlotação dos presídios e faz com que o Estado não tenha mais controle sobre eles. “Quem acaba mandando nos presídios são os presos”.
Conhecendo o sistema prisional, Walter chamou a atenção para um mantra conhecido pela população, o de que a cadeia, ao invés de recuperar, transforma pequenos bandidos em criminosos perigosos.
Por isso, acredita que a adoção de medidas alternativas de punição deve ser ampliada no Brasil.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista: iG: Há no Brasil 300 mil vagas nos presídios e 440 mil pessoas presas. É possível reduzir o número de presos ou todos realmente devem ficar na cadeia?
Walter Nunes: O grande problema aqui é a cultura da prisão.
A crença ou ideia que o processo criminal, para combater a impunidade, tem que resultar em prisão.
Para crimes de menor potencial ofensivo, de até dois anos, o juiz pode aplicar uma medida alternativa, que não é uma pena.
E quando há pena, não superior a quatro anos, sendo o réu primário, é possível substituir por pena alternativa.
Acontece que há juízes que, mesmo em casos que não seria necessária a prisão, eles mandam o indivíduo para a prisão. iG: Que tipo de casos?
Nunes: Há um caso emblemático da menor no Pará que ficou na prisão com 20 homens.
E foi caso de tentativa de furto de bem de primeira necessidade.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores não considera isso nem crime.
Se tivesse assessoria jurídica para ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ela era liberada na hora.
A cultura da prisão é um sentimento da sociedade.
Ela acha que com isso está se protegendo, mas é o contrário, pois o indivíduo volta pior da cadeia.
E essa cultura de mandar todos para a cadeia causa também a superpopulação carcerária. iG: Ela faz com que o Estado perca o controle do presídio, não é?
Nunes: Com a superlotação, quem acaba mandando nos presídios são os presos.
Para se proteger lá dentro é preciso criar ou se juntar a facções criminosas, que controlam presídios e dão ordens para ações exteriores.
Então, uma vez dentro, muitos vão para o crime organizado como forma de se proteger.
Com isso, não há como se recuperar lá dentro.
A pessoa vai sair pior do que entrou.
E vai sair, pois no Brasil não há pena de morte ou perpétua. iG: E quanto ao programa do CNJ que oferece vagas de emprego para ex-detentos?
Nunes: Há vagas, mas não há qualificação. É preciso qualificar os presos. iG: Há alternativas para o sistema?
Nunes: Hoje tem que fechar a porta de entrada e abrir a de saída.
Quase 80% da população carcerária é jovem, se ele não se recupera, ele vai ter muito tempo para a criminalidade.
E hoje a reincidência chega à casa dos 80%.
Nos últimos cinco anos aumentou em 41% a população carcerária.
Em Minas Gerais o aumento foi de 88%.
Lá não há vara de penas alternativas, então, mesmo por crimes pequenos, as pessoas vão para cadeia.
Nós temos uma bomba relógio nos presídios.
O Executivo tem que encarar isso como uma situação de Estado.
A população carcerária só aumenta e as pessoas saem pior do que quando entraram.
Muitos criticam quando falamos que é preciso evitar a cadeia, mas é o que tem que ser feito, tem que se buscar a pena alternativa. iG: Ainda há casos de presos que ficam por mais tempo do que deveriam na cadeia?
Nunes: Antes do CNJ não havia órgão central para controlar.
Estamos montando um banco de dados agora.
Hoje não há um sistema que avise que a pena acabou, fica a cargo do servidor no presídio ver isso. É preciso um sistema informatizado.
Hoje, quando a pena acaba, o trâmite para soltar, em casos extremos, chega a até um ano. iG: Não se ouve mais falar em abuso sexual dentro dos presídios.
Isso está controlado?
Nunes: Os casos são muitos, mas não há como quantificar isso, não há como ter uma estatística pois o preso abusado não diz, não fala, ele esconde que isso aconteceu.
Mas é muito freqüente, infelizmente.