Por George Emílio Bastos Gonçalves, em artigo no Jornal do Commercio As atuais inundações e deslizamentos em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Alagoas, já produziram mais de 2 mil mortos, milhares de desabrigados, bilhões de prejuízos e economias locais destroçadas.

Além dos desígnios da natureza, os desastres quase sempre previstos e anunciados se agravam pela omissão, inércia e incompetência nos diversos níveis de governo.

O Estado democrático de direito é instituição essencial para a organização da sociedade contemporânea, na obrigação intransferível e inadiável de proteger e servir ao cidadão, garantindo-lhe segurança individual, coletiva, econômica, social e jurídica.

Sua legalidade e legitimidade baseiam-se nas funções essenciais da governança (obrigações de executar políticas públicas na legalidade, economicidade, eficiência, eficácia e efetividade no atendimento às demandas coletivas) e da governabilidade (equilíbrio entre as demandas da população sobre o Governo via políticas públicas na sua capacidade de planejá-las, administrá-las e realizá-las pela governança).

A governança realiza-se pelos instrumentos constitucionais e técnicos do planejamento (PPAs, Planos Diretores.) e do orçamento (LDO, Lei Orçamentária Anual), por programas e projetos, com cronograma físico-financeiro articulado de metas bem definidas.

O PPA é instrumento de planejamento de médio prazo que estabelece diretrizes, objetivos, programas, projetos, recursos definidos, para ações e metas das administrações públicas federal, estaduais e municipais, num período de 4 anos, em prioridades nas suas áreas de competência.

O denominado PAC, atual ação do Governo federal, vem descaracterizando a sistemática e metodologia do modo de planejamento requerido pelo PPA (Decreto nº 2.829/98), torna-se um amontoado de obras desarticuladas, com difusos níveis de coordenação, resultando em baixíssimos níveis de eficácia e custos elevados.

Os instrumentos constitucionais de planejamento e de orçamentação (CF 1988, art. 165-167) modificados pelo marketing eleitoreiro, trazem passivo de obras de má qualidade, orçamentos estourados e fora dos prazos, na maioria, sem projetos básicos ou executivos de engenharia e sem estudos de impacto ambiental, premiam a ineficiência e a alta corrupção.

A taxa de corrupção sobre o valor das obras públicas, já impactam as crescentes taxas inflacionárias, também é portadora de tragédias ambientais.

Sucessivos recordes de arrecadação alardeadas pelas máquinas tributárias da união (R$ 824 bilhões), estados e municípios, em 2010, amealharam cerca de R$ 1 trilhão e 300 bilhões, num crescimento real de 9,6% em relação a 2009.

Há crescente carga tributária desde 2000 (26%) sobre o PIB, já passa de 38%, com perversa incidência sobre a renda pessoal de cerca de 40%, tributos de França com serviços públicos de Uganda. É visível o sucateamento da organização do Estado brasileiro, em suas instâncias técnicas e profissionais, pilhadas pela canibalização partidária, pelos viciosos clientelismos e aparelhismos.

Dobrou-se a dotação de cargos comissionados em todos os níveis de Estado, ampliou-se a terceirização de temporários, com máquinas públicas inchadas, custosas e ineptas, burlam a lei de provimento dos cargos públicos.

No Orçamento Geral da União para 2011 (R$ 2.073 trilhões) cerca de 35% estão destinados ao custeio da máquina, mais 35% para rolagem das dívidas externa e interna, restando 30% para todos os investimentos econômicos e sociais e despesas correntes.

Uma das ações estratégicas do Estado é a defesa civil.

A defesa civil objetiva a integração multissetorial nos 3 níveis de governo com a participação da comunidade, para reduzir impactos gerados por emergências e desastres.

Sua ação permanente atua na prevenção e atendimento nas emergências e desastres; prevenir e minimizar danos; socorrer populações atingidas; reabilitar e recuperar áreas destruídas; incentivar a criação e estruturação de comissões e núcleos de defesa civil.

A SUDENE desde 1959 além dos estudos regionais, planejamento e fomento ao desenvolvimento, instituiu modelar e pioneira no Brasil para o Nordeste, reconhecida internacionalmente, de plano e operação de defesa civil contra secas e inundações, também dispunha de rede meteorológica regional de medidores de chuvas e ventos, teve meios, recursos e equipes técnicas destroçadas com sua extinção em 2001.

Um dos primeiros atos do governo Eraldo Gueiros em Pernambuco, foi a criação da CODECIPE (1971), pioneira dentre os Estados e as obras de contenção de cheias no Capibaribe (barragens Tapacurá e Carpina).

Nas catástrofes acima citadas, especialmente do Rio de Janeiro, exceto a bravura das operativas forças armadas e bombeiros, quase sempre desequipados, o quadro é improvisação e desgoverno.

Mesmo assim, destacam-se o altruísmo e efetividade das equipes voluntárias e a solidariedade nacional com as doações.

O Governo federal, além da retórica de sempre, liberou o FGTS e a antecipação do pagamento dos benefícios do INSS, ou seja, o cidadão financia a sua tragédia.

Determina a CF de 1988 que é obrigação do Estado, planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações (art. 21); a abertura do crédito extraordinário para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública (148,§3º).

Cadê os recursos financeiros e técnicos do Estado?

Cadê o projeto de satélite brasileiro de meteorologia e estruturas da defesa civil?

Cadê o planejamento nacional, regional, metropolitano e urbano?

Cadê a SUDENE?

Cadê o Estatuto da Cidade, planos diretores, leis de ocupação e de uso dos solos e o código florestal, depois do leite derramado?

Quem será o responsabilizado?

Em Huntington, a incapacidade de resposta do Estado ou do Governo, em face de demandas não atendidas ou não realizadas, produz a ingovernabilidade. “…Da lama ao caos, do caos à lama, um homem roubado nunca se engana…”. (Chico Science e Nação Zumbi).

PS: George Emílio Bastos Gonçalves é economista, professor da FG e diretor do Centro de Estudos do Nordeste – CENOR.