Por Letícia Lins e Marcelo Remígio, em O Globo.com Quem chega ao distrito de Sirigi, em São Vicente Férrer, município a 116 quilômetros de Recife, encontra as tubulações de esgoto destruídas.
Próximo ao que sobrou da rede, o esgoto das casas jorra em direção ao rio que dá nome ao local.
A ausência de saneamento básico não é por falta de verbas.
A prefeitura recebeu cerca de R$ 1,5 milhão para executar a obra.
A maior parte dos recursos foi consumida, mas uma inspeção do Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que o trabalho não foi concluído.
A realidade é igual à de muitos municípios brasileiros.
Das 60 condenações a prefeituras e gestores de verbas aplicadas entre outubro e dezembro de 2010, 25 estão relacionadas a irregularidades na aplicação de recursos para saneamento e abastecimento de água, o grande ralo das verbas públicas indicado pelas inspeções do TCU.
Educação e habitação são os demais ralos, respectivamente.
No último trimestre de 2010, o TCU determinou a devolução de um montante de R$ 35 milhões em verbas - valor atualizado, correspondente ao liberado pelo governo federal para obras de saneamento e rede de água.
Neste ano, a inspeção feita pelo TCU - realizada por amostragem ´- já condenou o município de Cajazeiras, na Paraíba, a devolver R$ 448 mil à Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
O contrato para a construção de 161 privadas higiênicas não foi executado.
Em Minas Gerais, um caso semelhante: a cidade de Lontra recebeu R$ 223 mil para obras de esgotamento sanitário.
O serviço foi pago, mas somente 29% concluídos.
Ainda cabem recursos.
Para o pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração e Contabilidade da Universidade de Brasília, José Matias Pereira, que estuda administração pública, a falta de transparência nos gastos e a certeza de impunidade, mais acentuada em regiões distantes dos grandes centros, fomentam as irregularidades.
A falta da cultura de fiscalização, por parte da população, é outro motivo apontado para o mau uso das verbas federais. - O grande problema é a transparência.
As prefeituras não prestam contas publicamente sobre o uso das verbas e a população não tem como acompanhar.
O TCU não possui estrutura para acompanhar os gastos em mais de 5 mil municípios.
Mas quando fiscaliza encontra as irregularidades.
Parte dos gestores não está preparada para administrar e a população também erra ao não escolher os melhores governantes.
Para piorar, em algumas regiões, os moradores imaginam que o prefeito pode tudo e ele acredita que está acima da lei - afirma o pesquisador que arrisca uma previsão pouco animadora: - Será uma tarefa longa mudar esse quadro no país.
As condenações relacionadas a verbas para saneamento básico e abastecimento de água no último trimestre de 2010 puniram gestores e ex-gestores dos municípios de Paula de Olivança, Boa Vista do Ramos e Coari, no Amazonas; Doverlândia, em Goiás; Itabaiana, no Sergipe; Tocantina, no Tocantins; Cantá, em Roraima; Jaboatão do Guararapes, São Vicente Férrer e Flores, em Pernambuco; Rondon, São Miguel do Guamá e Cametá, no Pará; Barra de São Miguel e Picuí, na Paraíba; São Raimundo Nonato, Luiz Correia e Guaribas, no Piauí; Santo Antônio dos Lopes, no Maranhão; Euclides da Cunha, na Bahia; Ji-Paraná, em Rondônia; São Romão, em Mina Gerais e Wenceslau Braz, no Paraná, além do governo de Alagoas.
Porto Velho, em Roraima, teve a verba suspensa.