Foto de Ricardo Maciel, no flicker Por Daniel Carvalho, enviado especial a BARREIROS Sete meses se passaram, mas famílias que perderam tudo na enchente do Rio Una, em Barreiros, município distante 110 quilômetros do Recife, ainda vivem o drama de não ter onde morar.

Estão abrigadas em tendas apertadas e quentes, sem emprego e se mantendo com doações.

Quem não aguentou a situação, decidiu contrariar as orientações das autoridades e está construindo sobre os escombros, nas margens do rio, provando que uma nova tragédia é apenas questão de tempo.

No acampamento Esperança, montado pelo governo estadual com apoio da prefeitura e de uma Organização Não-Governamental internacional às margens da rodovia PE-60, moram 80 famílias.

O espaço faz lembrar um campo de refugiados.

O bebê Cauã, de 4 meses, não faz ideia do que seja morar numa casa de alvenaria.

Nasceu em uma das tendas.

A mãe dele, a desempregada Clarisse Silva, 18 anos, passa o dia inteiro perambulando com a criança no colo.

Amamentar o filho é atividade que ela faz na frente de todos.

Dentro da barraca não dá para ficar muito tempo. - Ele reclama muito por causa da quentura.

O sol queima mesmo aqui dentro.

Não é só o calor que incomoda.

Nos dias de chuva, como na última quinta-feira, quando a reportagem esteve no acampamento, é preciso improvisar com plásticos para não molhar o pouco que foi salvo e está amontoado nas barracas.

As crianças são as que mais sofrem.

Numa outra tenda, Maria Aparecida Silva Ramos, 36, mora com o marido e cinco filhos.

O mais novo, Alexandro, de apenas 1 ano, dorme no chão, coberto por moscas.

Até água para beber é problema no acampamento.

O fornecimento de água mineral havia sido interrompido.

Um caminhão-pipa vinha abastecer o reservatório. - Mas até bicho morto a gente já encontrou dentro da caixa d’água.

Tinha uma víbora e um sapo.

Depois disso é que voltaram a entregar água mineral -, conta a manicure Mônica Maria da Silva, 25.

As famílias comemoram que ao menos o problema da segurança foi resolvido no acampamento.

Depois de um tiroteio no início do mês, o policiamento voltou a ser constante no local.

Agora a maior dificuldade que os moradores dizem enfrentar é a pressão psicológica para deixar os abrigos.

Todas as pessoas ouvidas pela reportagem denunciaram que funcionários da Prefeitura tentam convencê-las a deixar o local. - Querem dar R$ 150 de auxílio-moradia.

Não tem casa para alugar por esse preço.

O menor valor que encontrei foi R$ 180 -, explica Marlene Maria da Silva.

O secretário de Administração de Barreiros, Inaldo Lins, admite que há intenção de desmobilizar os acampamentos, mas disse desconhecer as denúncias de pressão para deixar o local. - A Prefeitura está providenciando um aluguel social para quem não tem para onde ir.

O valor ainda está sendo definido.

De acordo com o secretário, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome repassou R$ 786 mil para a manutenção dos acampamentos no município, mas a veba só dura até este mês. - Já foi solicitado mais recurso de manutenção.

O Ministério pediu um plano de trabalho que está sendo feito, mas não sabemos o valor que será captado -, explicou o Lins.

As famílias nos acampamentos aguardam a construção de casas em um terreno desapropriado pelo Governo do Estado.

Pela dificuldade de encontrar uma área apropriada, as obras de terraplanagem só começaram no mês passado e as primeiras moradias devem ser entregues apenas em dezembro, diz a Prefeitura.

Até o mês passado estava aprovada a construção de 2.843 casas em Barreiros.

Quem não aguenta esperar e não suporta a situação dos acampamentos opta pelo perigo.

Dezenas de famílias estão reconstruindo suas casas no mesmo lugar, às margens do Rio Una. É o caso da dona de casa Maria Aparecida Barros, 24, que junto com o marido e quatro crianças viu a água subir e levar tudo em junho do ano passado.

A necessidade faz ela vencer o medo. - Começamos a reconstruir no sábado passado.

O prefeito disse que não podia fazer, mas não temos para onde ir.

Se o rio subir de novo, a gente tem que ir lá pra cima. É o jeito -, disse enquanto lavava roupa na casa destruída.

A Prefeitura reconhece que há imóveis sendo construídos na área de risco, mas se diz, no momento, de mãos atadas para impedir o retorno das famílias para as margens. - Estamos tentando controlar, mas o universo é muito grande para a quantidade de fiscais.

Prefeitura e Governo do Estado estão montando uma operação para conter essas construções -, explica o secretário de Administração.

Num outro braço do Rio Una, o comerciante Josiel José de Lima, 39, já está de casa nova com o filho de 4 anos e a esposa.

Mora ao lado de sua antiga residência, hoje pela metade.

No andar térreo existia o mercadinho que sustentava a família há seis anos.

De forma improvisada, Josiel montou o estabelecimento no espaço onde funcionava uma igreja.

Para conseguir os R$ 50 mil necessários para reconstruir o comércio, ele vendeu uma casa de praia que tinha. - Até outubro recebia R$ 510 do governo.

Depois disseram que eu receberia R$ 150.

Fui ao banco atrás de crédito, mas só ofereceram R$ 30 mil.

Achei pouco e não peguei.

Vendi a casa.

Hoje Josiel tenta levar uma vida o mais próximo possível da normalidade.

Mas admite que é difícil tendo ao seu lado um vizinho tão perigoso.

A tragédia que abate o Sudeste do Brasil deixa o comerciante nervoso toda vez que o céu fica escuro. - Quando a gente vê o Rio de Janeiro na TV se lembra do que aconteceu aqui.

Mas lá a situação está muito pior porque muita gente perdeu a família.

Aqui pelo menos conseguimos salvar o que é mais importante, nossas vidas.

OPERAÇÃO RECONSTRUÇÃO Além de Barreiros, outras 40 cidades foram atingidas.

Ao todo, 20 pessoas morreram, 26.966 ficaram desabrigadas e 56.643, desalojadas.

O Governo Federal investiu R$ 75 milhões em obras emergenciais e agora, junto com o Governo do Estado, investe R$ 497 milhões em obras de infraestrutura, como construção e reforma de escolas, hospitais e estradas.

Das 18 mil casas que devem ser construídas em todo o Estado, num custo de R$ 1,17 bilhão, apenas 99 foram entregues até o final de 2010.