Por Ney Vilela Ao encerrar suas correspondências com os reis, Voltaire costumeiramente utilizava-se da expressão “seu criado”.

A formalidade não o impediu de vibrar golpes formidáveis contra o Absolutismo, nem de lutar com destemor pelas liberdades individuais.

Desde Sócrates, nas origens do pensamento filosófico, passando por Giordano Bruno e por Maiakovski, intelectuais não titubearam em manter a coerência à custa da própria vida.

Erasmo, Zola, Sartre, Bertrand Russel sempre se envolveram em grandes debates sem se preocupar com o apoio da sociedade, pois se amparavam na razão.

Houve época, no século passado, em que manifestos assinados por acadêmicos transcendiam rivalidades políticas ou religiosas, na busca do que era justo e honroso.

Hoje e aqui, encontramos as assinaturas de intelectuais tão somente em listas de apoio eleitoral ou em acertos caseiros onde uns amparam os outros em cargos burocráticos.

A demagogia populista de massas domou os intelectuais brasileiros: suas canetas produzem propaganda ou hipocrisia; em suas existências não existem família, amizade, partido ou convicção religiosa; suas lutas se resumem em se manter no cargo público, onde se aboletaram, vampirizando tudo para garantir o “status quo”.

Muitas cabeças coroadas na academia produziam tratados sobre ética e serviço ao povo, há escassos dez anos.

Agora fingem que não temos gargalos produtivos, problemas de infraestrutura e educacionais, que não há foros privilegiados, lobbies, caixas dois, pressões corruptoras vindas da máquina de Estado.

Até 2002 eram “contra o governo”, não por convicção ideológica, mas porque falar mal do governo produz mais charme intelectual do que fazer apologia da ordem estabelecida.

No momento presente, como não podem mais desmascarar, humilhar e destruir inimigos de seus partidos; como precisam preservar, adular, blindar a própria máfia, decidiram-se pelo silêncio.

Em nossa República da Propaganda não se ouviu uma única voz denunciando o fato de que, nos últimos cem anos, apenas três pessoas se disseram a “encarnação do povo”: Adolf Hitler, Joseph Stálin e Lula da Silva.

Ninguém constatou que não ocorreu uma única criação institucional no governo Lula da Silva.

O que é celebrado nesse governo não foi transformado em regra.

Getúlio Vargas, ao criar as Leis Trabalhistas, produziu legislação; Fernando Henrique fez a Lei de Responsabilidade Fiscal; mas o Bolsa Família não se transformou em lei. É simples transferência de renda do governo para os estratos mais pobres; não se trata de distribuição, não diminui desigualdades; é apenas uma volta à política personalista, baseada no favor.

Calam-se os intelectuais diante do deformado viés privatista do governo Lula da Silva: com o uso do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), criou-se o ambiente institucional para que poucos grupos controlem a economia brasileira.

Na teoria marxista isso se chama capitalismo monopolista de Estado.

Calam-se os intelectuais diante da asfixia econômica a que foi relegada nossa cultura.

Calam-se diante da redução da força dos sindicatos de trabalhadores.

Calaram-se, inclusive, os intelectuais da outra margem, deixando o candidato oposicionista sem norte, nas últimas eleições.

Os intelectuais brasileiros estão mudos.

O mais estarrecedor é que a sociedade brasileira nem percebeu.

Ps: Coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela de Estudos Políticos.