Mariana Sanches, no site da Época Há quase uma semana Lula deixou o Palácio do Planalto, mas a mudança presidencial ainda não foi concluída.

E nem será tão cedo, se depender dos muitos remetentes que ignoram o novo endereço de Lula, em São Bernardo do Campo (SP), e seguem inundando o subsolo do Palácio do Planalto com todo tipo de correspondência.

De acordo com Claudio Soares, diretor do setor de Documentação Histórica da presidência, na última semana, cerca de 120 novas cartas chegaram todos os dias, endereçadas ao ex-presidente.

Ao longo dos últimos oito anos, Soares e sua equipe foram responsáveis por receber, ler, catalogar e responder toda a correspondência enviada ao então presidente.

Foram quase 360 mil cartas e 290 mil mensagens eletrônicas.

E havia todo tipo de remetente.

Um eleitor brasiliense, por exemplo, escreveu ao presidente Lula em todos os dias de seus dois mandatos.

Nunca se soube que desejos tão urgentes teria porque suas cartas eram ilegíveis.

Outra remetente se apresentava repetidamente como filha de Lula e expressava a intenção de se mudar para o Palácio da Alvorada para morar com a família Silva.

Esse tipo de correspondência era classificada por Soares como ‘excêntrica’, aquelas sem pé nem cabeça.

No geral, no entanto, as cartas se detinham em apoiar ou criticar o presidente ou pedir favores a ele.

A classificação e catalogação das cartas contam uma história interessante sobre o mandato de Lula.

O gráfico abaixo mostra a evolução de apoio e crítica ao presidente por correspondência ao longo de quase todo o primeiro mandato.

O único momento em que críticas superam elogios é em abril de 2003, mês em que Lula tentou encaminhar a reforma da Previdência.

Entre outras propostas, o presidente defendia a taxação, em 11%, dos proventos de aposentados do serviço público.

O ousado plano, como conta a história, não prosperou.

Lula enfrentou uma enxurrada de reclamações, que se refletiram, inclusive, em sua correspondência.

Paradoxalmente, o momento em que o presidente teve seu maior apoio por cartas (uma desproporção diante do que aconteceu em termos de apoio no primeiro e também no segundo mandato) foi em julho de 2005, no auge do escândalo do mensalão, quando a oposição cogitava tentar abrir um processo de impeachment contra ele.

As cartas recebidas por Lula nesse período diziam que o povo o sustentaria no poder, que estava com ele.

Discurso que o próprio Lula incorporou e repete.

A explicação para o pico de apoio a Lula por correspondência em julho de 2005 talvez não seja àquela que o presidente prefere. É possível que tenha havido um movimento organizado de petistas e lulistas dedicados a lotar a caixa postal do presidente com elogios.

Movimentos de massa como esse são muito comuns na internet – e a maior parte dos apoiadores se manifestou por e-mail.

A recorrência de certos pedidos ao presidente, no entanto, sugerem que uma parte significativa das cartas é enviada pelas classes mais populares, justamente aquelas em que Lula tem mais apoio.

Isso porque o que mais se pediu a ele nas correspondências foi proteção social - o que, nesse caso, pode ser amplamente traduzido como Bolsa-Família.

Pedidos de agilidade em processos de aposentadoria e pensão ficaram em segundo lugar.

Curiosa é a queda na quantidade de pedidos de emprego ao presidente ano após ano, cuja curva guarda semelhanças notáveis com a do gráfico de desocupação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2003 e 2010 (leia o gráfico abaixo).

Não se pode afirmar que uma seja a causa da outra, mas existe uma correlação entre elas.

Quando Soares apresentou a Lula o gráfico da evolução do número de pedidos de trabalho, o presidente quis saber o que aquilo significava.

A resposta anedótica de Soares a Lula é muito apropriada: “Não sei se essa queda deve-se ao resultado da sua política econômica ou se eu é que sou muito convincente quando respondo que não temos trabalho a oferecer”.

Soares , que agora cuidará do acervo da presidenta Dilma Rousseff, ficou responsável também pelos presentes de Lula e pelas correspondências enviadas por outros chefes de Estado a ele.

Em dezembro do ano passado, Soares catalogou uma correspondência que Lula recebeu do ditador norte-coreano King Jong-Il.

Em meio às maiores tensões em anos com a vizinha Coréia do Sul e a um complicado processo de sucessão, o comunista King Jong-Il resolveu enviar, pela primeira vez em oito anos, felicitações de Natal a Lula.

Não fosse necessário certo protocolo no trato da correspondência de chefes de Estado, a carta de Jong-Il facilmente poderia ter entrado na categoria ‘excêntrica’.