Denize Bacoccina, Guilherme Queiroz, Rodolfo Borges e Hugo Cilo, da Istoé Dinheiro O governo da presidente Dilma Rousseff começou com duas medidas que não se via há algum tempo: o pé no freio nos gastos públicos e a abertura do “saquinho de maldades” do Banco Central.
Minutos após tomar posse no Ministério do Planejamento, na segunda-feira 3, a ministra Miriam Belchior anunciou um corte rigoroso nas despesas previstas para este ano.
Não disse quanto, mas prometeu que todas as despesas serão revistas e adequadas à previsão de receitas, de forma a sobrar dinheiro para o superávit primário e a consequente diminuição da dívida. “Teremos uma redução considerável de gastos este ano.
O parâmetro será tudo o que a gente conseguir reduzir”, confirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Três dias depois, o Diário Oficial da União publicou uma autorização de apenas R$ 2,9 bilhões para os gastos não obrigatórios de janeiro, o equivalente a pouco mais de 5% do orçamento anual.
Todo o restante está bloqueado.
O padrão, nos anos anteriores, enquanto o orçamento ainda não estava aprovado, era liberar em janeiro o equivalente a 8%, ou 1/12.
No mesmo dia, o Banco Central anunciou mais uma medida para conter a queda do dólar diante do real.
Haverá um recolhimento de depósito compulsório de 60% das posições vendidas em dólar dos bancos para valores acima de US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência da instituição, o que for menor.
A justificativa oficial é de que se trata de uma regra prudencial.
Mas, por coincidência, ela foi aplicada três dias após a posse do novo presidente do BC, Alexandre Tombini, mais afinado com o restante da equipe econômica do que o antecessor. “O BC toma as medidas quando precisa tomá-las”, afirmou Tombini na quinta-feira à tarde, na primeira entrevista após assumir o cargo.
O que disparou o alerta, segundo o BC, é que os bancos passaram de uma posição comprada em dólar de US$ 2,9 bilhões no fim de 2009 para uma posição vendida de US$ 16,8 bilhões no fim do ano passado.
Com a nova regra, que entra em vigor em abril, a intenção é reduzir o valor para US$ 10 bilhões.
A posição vendida significa uma aposta dos investidores de que a moeda americana vai se desvalorizar ainda mais.
O saquinho de maldades do BC foi aberto após uma reunião de Mantega com Dilma, na quarta-feira à tarde.
Foi uma reunião marcada às pressas, quando o dólar valia R$ 1,65, o menor nível dos últimos dois anos.
Na mesma tarde, a presidente conversou com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, que falou da reclamação dos empresários do setor exportador.
No dia anterior, Mantega havia chamado os jornalistas para falar sobre o câmbio.
Não anunciou nenhuma medida, só avisou que o governo estava atento aos movimentos do mercado e defenderia a moeda brasileira contra a “guerra cambial” que derrubou a cotação do dólar de R$ 1,71 para R$ 1,65 da segunda quinzena de dezembro até o início de janeiro.
No dia seguinte, as manchetes ironizavam o ministro, dizendo que ele queria segurar o dólar “no gogó”.
Mantega não gostou. “Sempre que eu dei um recado sobre medidas, as medidas apareceram”, disse à equipe do Ministério.
Na quinta-feira, após o anúncio do BC, o dólar subiu para R$ 1,688.
O ministro tem outras medidas na gaveta, para ser anunciadas conforme o governo julgar necessário, e incluem de aumento de IOF à quarentena sobre capital estrangeiro. “Temos munição”, diz Mantega.
As primeiras decisões do governo foram bem recebidas pelos exportadores, que têm visto suas receitas minguarem com a queda da moeda dos Estados Unidos. “Se deixasse como estava, o dólar cairia abaixo de R$ 1,60.
O que está derretendo não é a moeda americana, são as exportações”, diz o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, acha que é um bom sinal. “Não será suficiente, mas mostra que o BC está de olho e que tomará as medidas necessárias para evitar prejuízos para os exportadores”, avaliou.
O empresário Anuar Dequech Jr., presidente da metalúrgica Corona Brasil, que exporta 30% da produção, também acha que o impacto inicial da medida será diluído com a alta dos juros esperada para a próxima reunião do Copom, dias 18 e 19 deste mês. “Não podemos parar de exportar para não ficarmos fora do jogo, mas já não é um bom negócio”, afirma.
O facão no orçamento foi visto como uma grata surpresa.
Embora o bloqueio de gastos seja praxe no início do ano, desta vez parece que o corte será para valer, ao contrário da postura mais “gastadora” que caracterizou os últimos anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O economista Roberto Padovani, estrategista-chefe para a América Latina do banco WestLB, considera “surpreendentemente bom” o início do governo Dilma, que demonstra, no discurso, clareza entre a política fiscal, a taxa de juros e a taxa de câmbio. “Há a percepção clara da importância da política fiscal e isso não estava presente no último governo”, diz Padovani. “É um corte duro.
Para os órgãos sobreviverem a pão e água enquanto veem o que vão fazer”, avalia o diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco. “Vamos fazer mais com menos”, promete a ministra do Planejamento, responsável também pela coordenação das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Miriam Belchior tem o desafio de segurar os gastos e ao mesmo tempo zelar pelo aumento dos investimentos públicos.
Entre 2011 e 2014, o orçamento do PAC é de R$ 959 bilhões. “Vou trabalhar com um pé no freio, outro no acelerador”, disse a ministra ao tomar posse.
O corte de gastos é essencial para cumprir a promessa do governo de realizar a meta do superávit primário, de 3% do PIB, e economizar recursos para pagar dívida e reduzir seu peso nas contas públicas.
A dívida líquida, cuja trajetória de queda foi interrompida em 2009, com a crise, voltou a cair no ano passado, para menos de 40% do PIB.
A meta de Dilma é reduzir essa proporção para menos de 30% em quatro anos.
No meio das maldades, o governo fez também uma bondade na primeira semana de governo: criou o PAC do combate à miséria, com uma série de medidas para acabar com a pobreza extrema no País.
Foi uma promessa de campanha e destaque o discurso de posse de Dilma.
A presidente mal apareceu em público na primeira semana de governo, mas mandou diversos recados à sociedade por meio de seus ministros e mostrou que seu estilo de “gerentona” está mais afiado do que nunca.
Numa demonstração de que não está apenas focada no curto prazo, Dilma encarregou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, de dar andamento aos planos de privatização de serviços no setor aéreo. “Podemos fazer concessões para a construção de terminais, de pista e de todo o aeroporto”, afirmou Jobim.
O ano 2011 promete.