Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo A democracia é uma idéia antiga e uma experiência nova para a humanidade.
O discurso fúnebre de Péricles (430 a.C) é um certificado histórico de que conceitos e práticas de liberdade e participação não envelhecem.
Nem morrem, apesar dos recorrentes atentados.
Ao longo do processo político, constituem marcos e conquistas na construção da democracia e na formação de cidadania: a Revolução Inglesa (1640) e o Bill of Rigths (1689), a Revolução Americana (1776) e a Constituição dos Estados Unidos da América (1787), a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a Declaração dos Direitos do Homem (ONU, 1948).
Na raiz de todos os eventos, está a luta imemorial da liberdade contra a opressão, opressão que se manifesta no exercício do poder qualquer que seja a natureza da relação social.
As vítimas são as mesmas: os mais fracos; a razão é a mesma: o abuso do poder.
Na paisagem que ficou para trás, um rosário de cruzes, ao tempo em que dói, renova a esperança de que a democracia política é uma utopia possível.
Em pleno século XXI, os feitos inimagináveis do gênio humano contrastam com uma obra imperfeita, inacabada, limitada no espaço global, porém insuperável como organização social – a democracia – pela simples razão de que permite o reconhecimento do outro na sua grandeza, diferença e fragilidade.
Obra imperfeita, inacabada, adolescente, assim é, como tantas outras, a democracia brasileira; disfuncional, gravemente disfuncional, assim é a democracia brasileira, singularidade tal que torna uníssono o clamor por uma reforma política.
Se esta é uma singularidade negativa, saudemos a singularidade positiva: nenhuma democracia no mundo foi tão testada nos últimos 25 anos.
Testada diante de crises institucionais e de explícitas ou enrustidas tentações autoritárias.
Passou no teste e foi aprovada com louvor.
A “plantinha tenra” chegou ao governo Sarney por obra e desgraça das parcas que, impiedosamente, levaram Tancredo Neves a quem caberia consolidar longa e insegura transição.
Rondava a “Nova República” o espectro do retrocesso.
Na época, os cientistas políticos, tomando como exemplo o governo do Uruguai (Juan Maria Bordaberry), preconizavam a “bordaberryzação” das democracias emergentes o que significava governos com rosto civil, tutelados pelo poder militar.
O Presidente Sarney cumpriu os compromissos democráticos: o Brasil passou a ser regido pela “Constituição Cidadã” e operou a alternância do poder, conforme o veredicto das urnas na eleição de 1989.
Por sua a vez, a modernidade canhestra do Presidente Collor não eliminou o grave fator de perturbação econômica e social – a perversa e galopante inflação – e, à conta de desvios éticos, jogou o Brasil na maior crise política do sistema presidencialista universal.
Em frangalhos, a política e a ética pública buscaram no Estado Democrático de Direito a saída dolorosa, porém, legal do impeachment do Presidente da República.
Mais uma vez testada e aprovada, a novel democracia brasileira desmentia o sombrio histórico dos finais infelizes das crises político- institucionais.
O Vice-Presidente Itamar, em obediência aos preceitos constitucionais, assumiu o governo.
O honrado político mineiro, nem sempre maneiro ou sabido à sua maneira, montou um governo de coalizão, buscando ampliar apoios, suturar feridas e reduzir o grau de incerteza que turvava o futuro do país.
No meio do caminho, tinha um rochedo, a persistente inflação que virara uma cultura desorganizadora da sociedade brasileira.
O êxito do criativo e original plano real, associado a uma enorme faxina nos velhos armários da ineficiente gestão econômica, assegurou a continuidade do projeto nacional de conjugar estabilidade política e econômica.
Eleito e reeleito, o Presidente Fernando Henrique passou a faixa presidencial ao líder sindicalista Luis Inácio Lula da Silva.
Testada e aprovada, a democracia brasileira e o amadurecimento da sociedade ratificaram a saudável rotina da alternância do poder e proscreveram as pajelanças na gestão da economia.
O Presidente Lula manteve as linhas mestras da política econômica do antecessor.
No primeiro dia de 2011, foi cumprido o ritual democrático.
Desta vez, o Brasil elege e empossa uma mulher.
Sinal dos tempos.
Dos bons tempos.
Mais uma vez a democracia falou alto.
Foi testada?
Foi.
Não permitiu que a popularidade astronômica do carisma, do populismo, do personalismo legitimasse o sonho do projeto lulista: o terceiro mandato presidencial.
Cabe, agora, Lula, depois das lágrimas saudosas, desencarnar do poder.
Deixa a mulher trabalhar (você e o voraz apetite dos partidos aliados).
Descansa em casa.
A suite presidencial da base militar do Guarujá não é casa de veraneio. É patrimônio público.
PS do Blog: o ex-ministro escreve com exclusividade no Blog de Jamildo quando lhe dá na telha.