Nasceu de maneira improvável, viveu intensamente e morreu à míngua.
Não fosse esse o resumo fiel da história de um dos jornais mais polêmicos do Brasil, seria um bom título de primeira página.
Quem não se lembra das manchetes antológicas do Notícias Populares? “Nasceu o diabo em São Paulo”; “Papai Noel assassinado no pacotão do governo”; “Broxa torra o pênis na tomada”.
Eternizado como o “espreme que sai sangue”, o popular jornal do trabalhador colecionou fãs e inimigos na mesma proporção.
Estes finalmente riram por último com a “execução” do jornal, em janeiro de 2001.
Dez anos se passaram e o velho NP segue sem substitutos na imprensa brasileira - bem como a principal obra sobre o jornal.
Em edição revista e atualizada, o livro Nada mais que a verdade - A extraordinária história do jornal Notícias Populares (256 p., R$ 63,90), lançamento da Summus Editorial, dos jornalistas Celso de Campos Jr., Giancarlo Lepiani, Denis Moreira e Maik Rene Lima, resgata os detalhes dessa rica história, lembrando fatos importantes e pitorescos - desde a fundação do jornal até a circulação da última edição, com 50 reproduções das primeiras páginas do jornal.
A obra conta ainda com um novo prefácio do jornalista Marcelo Coelho e uma apresentação inédita de ninguém menos que Ebrahim Ramadan, editor-chefe do NP entre 1972 e 1990.
Mais que uma biografia do jornal Notícias Populares, este livro é um romance fantástico.
O lançamento acontece no dia 18 de janeiro, às 19h, no Bar Posto 6 (Rua Aspicuelta, 646 - Vila Madalena - São Paulo - SP).
A extraordinária história do NP começa em 1959.
Depois de ser confinado por Stálin, durante dez anos, nas minas de carvão da Sibéria, o jornalista romeno Jean Mellé desembarca em São Paulo para fugir dos fantasmas da perseguição comunista.
Menos de cinco anos depois, acuado pelas próprias lembranças, o ex-preso político alia-se a Herbert Levy, conservador parlamentar paulista, e cria uma arma para contra-atacar o Última Hora, jornal que ambos consideravam o grande veículo de propaganda esquerdista no Brasil, criado por Samuel Wainer e historicamente ligado a Getulio Vargas.
Assim nasceu o NP, em 1963.
Era a esperança da União Democrática Nacional (UDN), de Levy e Carlos Lacerda, para conter a influência popular do rival Última Hora.
A vocação política do NP, porém, teria curta duração.
Após a tomada do poder pelos militares e o fim da ameaça comunista, o NP foi vendido, em 1965, para Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, da empresa Folha da Manhã S.A., que hoje edita a Folha de S.Paulo.
Mellé permaneceu como editor do NP.
Com o fim do Última Hora, que também havia sido adquirido por Frias e Caldeira Filho - e acabou sendo preterido em relação ao NP -, Mellé pôde, enfim, imprimir mudanças no jornal e o NP começou a ganhar as feições de um jornal popular: com ênfase na parte policial e esportiva, as preferências do povo.
E Mellé não poupou esforços para ampliar as vendas do jornal.
Com um faro indiscutível para manchetes explosivas, ele usou e abusou de clichês e dos inúmeros fenômenos jornalísticos.
Certa vez, pelos idos de 1968, o jornal estava sem manchete, e Mellé pediu a um repórter que telefonasse para Roberto Carlos para produzir alguma reportagem.
Tentando localizar o cantor, o repórter ouviu do diretor da TV Record que o cantor estava em Nova York, mas não era possível localizá-lo.
Certo de que o assunto estava encerrado, o repórter levou a notícia a Mellé.
Ele por sua vez decidiu “esquentar” a notícia e soltou a seguinte manchete: “Desapareceu Roberto Carlos”.
No dia seguinte, centenas de fãs cercaram a redação em busca de notícias sobre o ídolo.
Revoltado, o diretor da Record exigia um desmentido, mas Mellé, no dia seguinte, apenas manchetou: “Acharam Roberto Carlos”.
Nos dois dias, o jornal vendeu 20 mil exemplares a mais.
A intensidade era a tônica do NP.
O jornal viveu um período difícil depois da morte de Mellé, em 1971.
Com a troca de comando, as vendas despencaram de 100 mil para 25 mil exemplares.
Mas Ebrahim Ramadan, contratado como o novo editor, mudou novamente os rumos da história.
Para alavancar as vendas, ele investiu em uma overdose de crime e sexo nas páginas do jornal.
Para o bem e para o mal, figuras folclóricas como a mula sem cabeça, as almas penadas, os monstros e os demônios tornaram-se personagens importantes no universo do Notícias Populares, ao lado de alienígenas e outras aberrações.
Em maio de 1975, o Notícias Populares publicou a história do bebê-diabo, que se tornaria um marco no jornalismo brasileiro.
O jornal investiu na história bizarra, levando a população a acreditar no nascimento de um menino com chifres e rabo em São Bernardo do Campo.
A credulidade popular era tamanha que o NP começou a inventar uma saga para o bebê-diabo.
O caso permaneceu na primeira página do jornal por 27 dias, nos quais pessoas ligavam para a redação jurando que viam o bebê-diabo e informando seu paradeiro.
A cobertura de Carnaval do NP era outro caso à parte: até os leitores de outras publicações não resistiam às toneladas de fotos picantes tiradas pelos salões de São Paulo, com suas hilárias legendas.
Com o lançamento do jornal Agora, em 1999, pela mesma empresa que o editava, o NP foi desprestigiado.
Sem dinheiro para melhorar sua estrutura ou grandes campanhas, a redação começou a fazer milagre com a minguada verba que era reservada ao jornal.
O anúncio do fechamento do NP, em 20 de janeiro de 2001, pegou de surpresa até os jornaleiros.