Nara Alves, do iG Em sua última viagem oficial antes de deixar o cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a subir o tom contra a imprensa e governos que o antecederam.

Num discurso em que evidenciou mais uma vez sua insatisfação com o tratamento que recebeu dos meios de comunicação durante o governo, Lula teceu sucessivos elogios a sua administração, comparou-se a chefes de Estado estrangeiros e disse que a imprensa lhe deve “desculpas”.

A cobrança veio em referência a notícias de que o governo teria dificuldade de cumprir a meta de chegar a 1 milhão de moradias contratadas por meio do programa Minha Casa Minha Vida, uma das bandeiras de campanha da presidenta eleita Dilma Rousseff.

Lula, que entregou apartamentos financiados programa em Salvador (BA), queixou-se logo na abertura de sua fala: “Alguns companheiros dos meios de comunicação disseram há algumas semanas que não íamos conseguir fazer o contrato de 1 milhão de casas.

Talvez alguns estivessem acostumados com governos que ficavam sentados com a bunda na cadeira e não chamavam seus companheiros para cobrar o que tinham que cobrar”, disse Lula. “Deveriam pedir desculpas”, cobrou.

Lula voltou a dizer que “valeu a pena” ter passado oito anos no Palácio do Planalto. “Eles diziam que era difícil ser presidente.

Mas é fácil, se você fizer exatamente o que o povo pede para você fazer”, disse.

A passagem pelo Planalto, acrescentou, ainda lhe deu voz na cena internacional, enquanto chefes de Estado estrangeiros custavam para lidar com a crise econômica.

Ainda assim, disse, não deixou de receber todos os representantes da sociedade. “Nunca me chamaram de excelência”, disse.

Lula relembrou a crise econômica e, em um auto-elogio, comparou o desempenho do Brasil frente a países desenvolvidos. “Foi gostoso passar pela presidência vendo os EUA, Europa, Japão em crise. (…) Foi um torneiro mecânico, pernambucano, presidente do Brasil, que soube lidar com a crise com sua equipe econômica”.

Em uma referência indireta ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Lula citou a última pesquisa sobre sua popularidade. “Enquanto uns com 2 anos de mandato já não tinha mais muro para pichar “fora não sei quem”, nós vamos terminar com 87% de aprovação”, disse.

Lula brincou ao dizer que não tem a intenção de disputar nenhum cargo no futuro e, portanto, pretende aproveitar as férias, quem sabe na Bahia. “Pode escrever, que Lulinha vem para arrasar no Carnaval. É Lulinha 2011”, disse o presidente, repetindo o discurso feito mais cedo no Ceará, de que “pobre também gosta de luxo”.

Emocionado, Lula voltou a afirmar que um bom governo não depende de diploma acadêmico, mas sim de líderes que saibam “enxergar” o que o povo mais precisa. “Valeu a pena ser presidente para provar que a inteligência não está ligada à quantidade de anos que passou em uma universidade.

A inteligência de saber o que é prioridade é uma mistura de massa encefálica com o coração”.

Plateia Lula entregou apartamentos de um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida.

A obra, entretanto, só deve ser concluída em dezembro de 2011.

Antes de chegar à capital baiana, Lula telefonou a auxiliares, para pedir que esvaziassem suas gavetas no escritório que ocupou durante os últimos oito anos no Palácio do Planalto.

Enquanto Lula discursava sobre o programa, circulavam pelo local do evento personagens como a recicladora de lixo Yêda de Souza Bonfim, de 58 anos.

Ela diz ter pedido a Deus, mas não foi contemplada pelo programa Minha Casa Minha Vida.

Saiu do evento como presidente apenas com o boné e a camiseta da Caixa Econmica Federal que ganhou de brinde.

Yda e seus dois filhos, Jonas, de 17 anos, e Francisco, de 24, vivem na Cidade Baixa, periferia de Salvador, junto com outras 150 famlias do Movimento Sem Teto do Brasil.

A recicladora perdeu há quatro anos na Justiça a casa onde morava. “Comprei por R$ 5 mil, mas não tinha a escritura.

Quando a proprietria morreu, a casa ficou para os filhos e eu fui despejada”, conta.

Desde então, vive no acampamento com salário de R$ 200 e diz ter condições de pagar as prestações do programa federal, que ficariam em torno de R$ 50 mensais, sem contar luz e água.