O auditório Palazzo Festari, na cidade de Valdagno, Itália, esteve lotado nesta úlltima quinta-feira, dia 16.

Dezenas de pessoas estiveram presentes para participar do lançamento do livro “Imagens de Resistências: Resistir para Existir”, do fotografo italiano e cooperante da CPT NE II, Carmelo Fioraso.

A publicação revela uma realidade pouco conhecida no Brasil e no mundo: a história dos camponeses e camponesas que lutam por suas terras e territórios no Brasil.

Foram dois anos de ensaio fotográfico, realizado entre 2009 e 2010, registrando imagens das comunidades tradicionais, acampamentos, assentamentos e trabalhadores nos canaviais do estado de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo.

Junto com as fotografias de Carmelo Fioraso, o livro trás os versos do poeta e camponês paraibano João Muniz, de 29 anos, que vivenciou desde criança a luta pela Terra e a violência do modelo de produção do agronegócio em seu Estado, segundo a CPT.

Aproximadamente mil exemplares serão vendidos no Brasil, ao valor de RS 25,00.

Em entrevista à CPT Nordeste, Carmelo contou que apesar de ser uma noite muito fria o público prestigiou o lançamento do livro e foi muito emocionante a leitura dos versos de João Muniz pela locutora do evento.

Confira a entrevista: CPT NE II- Como surgiu a ideia deste livro?

Carmelo Fioraso Desde 2004, quando entrei na Comissão pastoral da Terra (CPT), iniciei andanças pelo Nordeste apoiando a luta pela Reforma Agrária e pelos Direitos Humanos.

Testemunhei as violações cometidas pelos latifundiários nos estados de Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e nos canaviais de São Paulo.

Senti indignação pelos crimes cometidos pelo latifúndio, mas também a esperança que o povo carrega na luta por uma vida com dignidade.

Daí veio a necessidade de denunciar, através da fotografia, os conflitos causados pela falta da Reforma Agrária no Brasil e a ganância do agronegócio, especialmente o monocultivo da cana para produzir etanol a custo da vida de milhares de famílias camponesas.

Foi para fortalecer a luta dessa gente que senti a necessidade de transformar as fotos em livro. É uma forma de convidar a sociedade para retomar o debate fundamental da Reforma Agrária.

CPT NE II- Seu livro retrata o campesinato brasileiro e a Reforma Agrária.

Como você vê a Reforma Agrária no Brasil?

CF - O Brasil tem uma enorme concentração de terra.

Ocupa a segunda posição mundial.

Nunca foi feita uma Reforma Agrária.

O agronegócio segue Brasil adentro expulsando comunidades tradicionais, destruindo florestas, inviabilizando a Reforma Agrária.

O governo que termina não resolveu o problema de milhares de famílias acampadas nas beiras das estradas.

O Brasil nunca vai ser justo se não fizer reestruturação fundiária. É imoral a estrutura fundiária brasileira.

CPT NE II- O que mais lhe impressionou na convivência com o povo camponês?

CF - A força deste povo cheio de cicatrizes, mas que carrega uma esperança impressionante. É a última resistência, quase heróica, para ficar na terra, porque a regra é a expulsão total das famílias camponesas da terra.

Aprendi muito com a gente do campo.

A partilha foi se materializado pelo sentir, pela sabedoria, pela convicção e pelas ideias de cada pessoa que encontrei ao longo das estradas.

Vivi momentos belíssimos ao lado desta gente, mas algumas vezes tive a sensação de precisar registrar algo que estava para desaparecer.

Nestes momentos um sentimento angustiante tomava posse de mim.

CPT NE II - O livro tem versos do camponês João Muniz.

Como se deu esta parceria?

CF - Encontrei João Muniz numa Assembleia da Comissão Pastoral da Terra.

Já tinha decidido fazer o livro.

Quando ele declarou os versos feitos na hora sobre o povo camponês fiquei encantado e pensei: as poesias dele vão fazer parte do livro.

Conversamos e combinamos um encontro no assentamento onde ele mora.

Mostrei as fotos e ele fez os versos.

Além da beleza dos versos, me alegrou muito conhecer Muniz, sua força me animou, deu esperança, diminuiu minha angustia.

Ele nasceu em uma família sem terra e desde cedo vivenciou a violência provocada pelo latifúndio, a luta pela Terra e o enfrentamento ao monocultivo da cana de açúcar no estado da Paraíba.

O assentamento onde vive foi conquistado a partir da organização e persistência das famílias de trabalhadores rurais.

A área leva o nome de seu primo, Almir Muniz, assassinado a mando dos Usineiros da Região.

Hoje, ele tem uma vida digna e faz o curso de Pedagogia, na Universidade Federal da Paraíba.

A poesia dele versa sobre a cruel e perversa realidade do campo, a resistência das comunidades, a necessidade da partilha da terra.

Fala também do sonho camponês.

Uma sintonia muito grande com as fotos.

CPT NE II- Qual a reação do público italiano?

CF - Quando conto a situação do campo brasileiro na Itália, muitas pessoas falam que não é possível que essa gente viva nesta situação e ainda encontra tantas forças pra seguir buscando justiça social.

Não é possível que a terra seja tão concentrada num pais continental.

As pessoas ficam sensibilizadas, mas tem que iniciar o processo de partilha, de debate e de alguma ação que provoque este mundo globalizado e consumista.

CPT NE II - O que espera do livro?

CF - Quando visitei as comunidades tradicionais, as famílias quilombolas que lutam pela demarcação de seus territórios e as famílias sem terra que cobram a reforma agrária, fiquei chocado com a situação.

Passei noites sem dormir refletindo sobre a necessidade da reforma agrária voltar a ser pautada pela sociedade.

Espero que o livro possa contribuir neste debate no Brasil, e que provoque na sociedade italiana uma preocupação com os outros, uma preocupação com a situação agrária brasileira.

Neste mundo globalizado e de redes sociais virtuais precisamos romper com o individualismo, com o liberalismo econômico.

Precisamos compartilhar, provocar o debate, precisamos fortalecer a luta pelos direitos básicos das populações pobres.