Ayrton Maciel, do Jornal do Commercio Primeiro senador eleito pelo PT em Pernambuco, Humberto Costa, assumirá em 1º fevereiro convicto de que, para o Nordeste, o mais importante não é conseguir ministérios no governo Dilma, mas o compromisso assumido pela presidente eleita de que a Região será tratada com prioridade.
Depois do PT estadual reivindicar um nome no governo, ele demonstra certa conformação, embora não descarte. “O PT nacional não é mais um partido paulista”, diz.
Nesta entrevista, concedida na quinta-feira (9), Humberto fala também do espaço do PT no novo governo Eduardo e nos cenários das disputas 2012 e 2014 no Estado.
JORNAL DO COMMERCIO – Desde 1986, quando da primeira eleição de Miguel Arraes (então no PMDB) ao governo pós–retorno do exílio, ou PT e PSB têm candidato próprio ou têm dificuldade para compor uma candidatura única.
Este ano, com a boa relação Lula–Eduardo Campos, o PT apoiou o socialista logo no 1º turno.
Esse cabo de guerra revela uma disputa entre PT e PSB pela hegemonia na esquerda de Pernambuco?
HUMBERTO COSTA – O PT e o PSB são, hoje, dois grandes partidos em Pernambuco no campo da esquerda.
Há uma disputa saudável no sentido de crescerem e fortalecerem–se. É natural.
Se um partido não tiver vocação para o poder, ele perde a própria função de ser partido.
Agora, entre o PT e o PSB, em Pernambuco, há muito mais identidade e parceria do que disputa política.
Tenho convicção de que, se o PT e o PSB continuarem juntos aqui no Estado, obviamente com todas as outras forças da Frente Popular que apoiam Eduardo e João da Costa (Prefeitura do Recife), esse projeto tem tudo para permanecer mais tempo.
JC – Os políticos repetem que política é coisa dinâmica.
Então, fazer projeção é um risco, principalmente para quatro anos a frente.
Mas, na expectativa de continuidade dessa relação, pode–se dizer que já há três candidatos naturais para 2014: o senhor e Armando Monteiro Neto (PTB), senadores eleitos, e o secretário (Desenvolvimento Econômico) Fernando Bezerra Coelho (PSB), que está virando ministro de Dilma Rousseff?
HUMBERTO – De forma alguma.
Discutir 2014 agora é totalmente contraproducente.
Não temos nenhuma previsão.
Na política, as coisas mudam em 24 horas, imagine daqui a quatro anos. É uma discussão sem sentido.
Os governos Dilma e Eduardo Campos, no segundo mandato, ainda vão começar, como abrir discussão sobre isso?
Temos é que trabalhar para que a Frente Popular chegue unida em 2014, com um projeto mais avançado ainda, e que o governo Eduardo aprofunde esse projeto das forças populares.
JC – O senhor acaba de ressaltar que o prioritário é “trabalhar para chegar unidos em 2014”.
Está admitindo que há possibilidade de, em alguma situação, essa unidade não vir a se constituir em 2014?
HUMBERTO – Eu não disse isso.
O que estou dizendo é que caminhamos unidos até agora, e a prioridade tem que ser manter essa unidade.
Quanto mais unida estiver a Frente Popular, mais vamos poder avançar nesse projeto de reestruturação econômica, social e política em Pernambuco.
E o meu esforço e do PT será no sentido de aprofundar essa unidade.
JC – Então, só um projeto nacional, que não seja unitário, pode pôr em risco esse projeto?
HUMBERTO – Tudo é especulação.
Acredito que Dilma vai trabalhar para que o governo dela se mantenha coeso, com todas as forças que apoiaram na eleição lhe dando sustentação.
JC – O governo Lula apresenta índices positivos na economia e no social.
Assegurou a estabilidade econômica, a valorização do Real e o controle da inflação, mesmo com a pressão de parcela do PT pela redução dos juros.
No social, criou uma rede que garantiu a ascensão de milhões de brasileiros.
No entanto, o PT perdeu uma de suas principais bandeiras: a da ética na política.
O discurso de primazia da ética incomodava até a esquerda ideológica.
Desde o episódio do mensalão, em 2005, essa bandeira desapareceu das campanhas eleitorais.
Esse foi o maior pecado em oito anos?
HUMBERTO – Eu discordo frontalmente da visão de que nós perdemos a bandeira da ética.
Ao contrário, ao longo de oito anos de Lula, o governo se consolidou como aquele onde o controle público, a transparência e a adoção de medidas que combatam a corrupção foram mais fartos.
Muitas coisas vieram à tona e dão a impressão de que tem mais corrupção que em governos anteriores porque hoje são investigadas.
Além do mais, os desvios de conduta dentro do PT foram apurados, as pessoas foram afastadas, alguns chegaram a ser expulsos.
Ao contrário, acho que o PT mantém a bandeira ética.
Agora, o que o PT aprendeu, ao longo desses anos, é que aquela ética udenista (referência à UDN, partido conservador anterior a 1964), esse fisiologismo ideológico, muitas vezes é uma coisa fantasiosa, contraproducente, que termina não sendo aplicada.
Então, em nenhum momento perdemos essa bandeira.
O governo do PT adotou ações e mudanças que fecharam muito as portas do setor público à corrupção.
Vamos adotar mais e mais instrumentos que dificultem a utilização do dinheiro público para fins escusos.
JC – O governador Eduardo Campos decidiu só fechar o secretariado depois que Dilma fechar o ministério, o que deve acontecer até o próximo dia 15.
Qual a parte que o PT de Pernambuco deseja no secretariado?
No atual governo, a presença importante do PT foi diminuta (Secretaria das Cidades e Fundarpe).
HUMBERTO – O PT não tem discutido nada.
Está aguardando um chamado do governador para abrir esse debate.
Nós vamos ouvir o que ele imagina que pode ser a contribuição do nosso partido para este segundo mandato.
Vamos ouvir como ele avalia o trabalho que foi feito por aquelas pessoas do PT que passaram ou que estão no governo.
Eduardo tem plena consciência do potencial que o partido tem no sentido de ajudá–lo a governar, a ter sucesso, e eu tenho certeza que ele saberá reconhecer uma participação do PT que seja proporcional ao partido, hoje, e que esteja nas expectativas que ele tem.
Ele é o grande condutor da Frente Popular, será o condutor do aprofundamento da nossa unidade e do nosso projeto, será o condutor, mais à frente, da sua sucessão e ele sabe, perfeitamente, o tamanho e a qualidade que o PT pode dar.
Naturalmente que o PT também vai conversar, a partir do que ele considerar importante em termos da participação do PT.
Vamos analisar, aceitar ou apresentar uma contraproposta.
JC – A relação de Eduardo com Lula e, agora, com a presidente eleita Dilma tem causado certa ciumeira ao PT local e no Nordeste também.
O PT reivindica um nome petista do Estado no ministério e aliados também reclamam maior espaço para o Nordeste.
O senhor, porém, admite ser difícil o atendimento da reivindicação estadual?
HUMBERTO – Essa questão do PT do Nordeste e o governo Dilma decorre de nós entendermos que o PT nacional não é mais uma partido paulista, é um partido que cresceu para o Sul, o Norte e o Nordeste.
Nesta eleição, o crescimento maior foi para o Nordeste. É natural que os nordestinos do PT desejem ter uma representação no governo Dilma que seja coerente com esse novo momento, com o crescimento que o partido apresentou na Região.
Porém, temos plena consciência de que quem nomeia ministro é a presidente.
Não queremos propor, sugerir ou exigir qualquer coisa.
Até porque ela precisa lidar com alternativas, aspectos e variáveis que vão além do aspecto regional: Senado, Câmara, partido, gênero.
E tem a variável do núcleo político, que não pode estar subordinado a aspecto regional.
Outra coisa é que, para nós do Nordeste, mais do que uma representação no ministério, o importante é o compromisso que ela assumiu de que a Região será prioridade.
JC – Político não trabalha com o olhar no hoje, mas, no amanhã.
Essa relação privilegiada de Lula com Eduardo faz o PT suspeitar de algum de projeto do atual presidente para o governador em 2014?
Esse investimento de Lula, no Estado, deve ser creditado a um sentimento de resgate de dívida do País com Pernambuco ou ao simples fato de Lula ser pernambucano?
HUMBERTO – Lula começou a governar em 2003 e muitas das ações começaram àquela época.
No primeiro mandato, o governador era Jarbas Vasconcelos (PMDB).
Lógico que a relação que o PT tem com Eduardo e que Lula e Dilma têm também com o governador é especial. É importante que se preserve, mas esse não é o fator determinante para ter vindo para cá a refinaria, o polo petroquímico, o estaleiro, a Transnordestina e outros.
Essa identificação só favorece, porque são governos que têm prioridades semelhantes e atuam de forma parecida.
Eduardo tem contribuído fortemente para a governabilidade de Lula, e vai continuar no governo Dilma.
Agora, Lula, Dilma e o PT vão discutir 2014 só em 2014.
O governo Dilma não vai começar sob a discussão de 2014.
JC – Caso o governo Dilma dê certo, é natural que a presidente busque a reeleição daqui a quatro anos.
Caso não acerte, Lula será a peça–chave do PT em 2014?
HUMBERTO – É difícil prever o futuro.
Dilma vai dar certo, e em 2014 ela vai puxar a discussão, ouvir Lula, os partidos e o PT.
Agora, ela está focada em fazer um bom governo.
O que virá, vai decorrer de o governo ser bom ou não.
Aí, teremos a liberdade de discutir se ela quer continuar, se é Lula que volta, se é Eduardo que vai, se é quem quer que seja.
JC – A velha divisão interna no PT pernambucano volta a se acirrar, agora no Recife.
Há mais de 20 anos, o seu grupo e o do ex–prefeito João Paulo disputam o comando do partido.
O personagem novo é o prefeito João da Costa, ex–aliado de João Paulo e hoje próximo do seu grupo.
Recentemente, o vereador Múcio Magalhães (PT), aliado de João Paulo, alertou que, diante do racha, 2012 será a grande chance da oposição retomar a Prefeitura.
Afinal, 2012 será João da Costa de novo ou a discussão está em aberto?
HUMBERTO – João da Costa tem o seu grupo político no partido.
Nossa preocupação é que ele restabeleça a sua saúde e possa ter uma ação objetiva e forte para melhorarmos o desempenho da Prefeitura.
Temos muita coisa em andamento, muita coisa começando e há tempo para terminar antes de 2012.
Isso vai fazer que se torne um prefeito extremamente bem avaliado.
Ele terá nosso apoio integral nessa tarefa.
Queremos que a administração dê certo, para que em 2012 o PT tenha amplas condições de continuar à frente da Prefeitura.
Se ele estiver bem avaliado, forte, tem todas as condições de disputar a reeleição. É o sentimento do partido.
São poucas as pessoas que têm uma visão diferenciada, exatamente porque a nossa preocupação é com o PT, não é com grupo.
Se o PT permanece com a Prefeitura, continua a ser um protagonista importante na política em Pernambuco.
JC – Aliados do PT evitam se meter na divisão interna petista, mas admitem que o racha tem que ter um prazo para ser superado, não pode chegar a 2012.
Caso extrapole o prazo, entendem que alternativas de nomes podem ser discutidas.
Existe esse risco?
HUMBERTO – João da Costa está na metade do mandato.
Em 2003, tínhamos uma situação muito difícil, não de ordem política, mas administrativa.
João Paulo tinha uma rejeição enorme, porém, nosso grupo sempre manteve o apoio absoluto aos nossos prefeitos, independentemente da corrente política.
As obras foram aparecendo, as ações sendo vistas, e o quadro mudou.
Ele ganhou no primeiro turno (2004).
Então, não cabe neste momento qualquer discussão sobre candidato e sobre a eleição 2012.
Essas especulações terminam enfraquecendo o nosso projeto, que não é só do PT.
Acho que não há prazo.
Estamos trabalhando para superar (a divisão).
Mais importante do que qualquer das suas lideranças é o projeto do PT.
Hoje, a bola está com João da Costa.
Eduardo apoia o governo dele, todas as nossas forças também.
JC – Os partidos políticos no Brasil, assim como os sindicatos, têm dificuldade de renovar quadros, em especial, de renovar suas lideranças, diferentemente do que ocorrer em partidos europeus.
Na prática, a imagem do partido envelhece.
Isso contribui para as divisões internas? É ruim ou é bom?
HUMBERTO – É ruim, mas não acho que seja o que está acontecendo no Brasil, hoje.
Dilma Rousseff é um quadro novo na política, apesar de nunca ter disputado uma eleição e de ter uma militância longa.
Assim como João da Costa.
Agora mesmo tivemos uma forte renovação no Senado.
Quando não acontece, é ruim, mas acho que o PT está fazendo um processo de renovação importante, até forçada pelas circunstâncias, porque muitas de nossas lideranças terminaram engolidas pelos processos contra o partido.
JC – Em 1987, em entrevista, a revista IstoÉ perguntou a Lula qual era a ideologia do partido, e Lula respondeu: “Vamos definir quando estivermos no poder”.
Depois de oito anos no poder, o PT já se definiu ideologicamente?
HUMBERTO – O PT é um partido de esquerda que professa uma ideologia “socialista democrática”.
Definimos a democracia como um valor universal, fundamental para a construção de uma nova sociedade no Brasil.
Queremos construir uma sociedade justa pela via democrática, pela via do voto, pela hegemonia nas ideias.
E é de esquerda porque defende uma sociedade sem explorados, na qual todos tenham a cidadania.
JC – Então, é um partido social–democrata?
HUMBERTO – É um partido socialista democrático.
A social–democracia defende e preserva o capitalismo com face mais humana.
Nós defendemos uma sociedade socialista que aprofunde mais a luta contra a desigualdade, e o faz pela via democrática.
A ideia do socialismo que fala na superação do capitalismo ou em revolução para se construir o socialismo, e que tem como classe dominante o proletariado, essa ideia está sob questionamento.
No socialismo democrático, projetamos uma sociedade em que o poder do mercado é bem menor que no capitalismo, onde há muito mais igualdade, onde a propriedade privada tem efetiva função social.
Lógico que não há uma experiência (modelo igual) como essa que queremos.
Não é Cuba nem é China, mas também não é Noruega nem Dinamarca. É mais do que aquilo lá.