Andréia Martins, do UOL Nesta quinta-feira (16) o Parlamento venezuelano se prepara para uma segunda rodada de discussões sobre a chamada Lei Habilitante, que permitirá que o presidente Hugo Chávez governe com plenos poderes sem passar pelo controle da Assembleia Nacional (NA) durante um ano.

Para cientistas políticos ouvidos pelo UOL Notícias, a lei pode ser vista como mais uma ação autoritária do presidente da Venezuela. “Não seria uma medida necessária. É um passo a mais na corrida do autoritarismo do presidente Chávez”, disse Carlos Eduardo Vidigal, mestre em História das Relações Internacionais pela UnB (Universidade de Brasília).

A Lei Habilitante é composta por quatro artigos e foi solicitada por Chávez sob o pretexto de atender a emergência gerada pelas chuvas que atingem a Venezuela.

Com a medida, ele poderá legislar livremente nas áreas de moradia, terras urbanas e rurais, infraestrutura, economia, defesa e cooperação internacional sem passar pelo controle da Assembleia Nacional (AN).

Na terça-feira (14), a maioria governista do Parlamento venezuelano aprovou a lei em primeira votação.

A segunda discussão e aprovação definitiva da lei serão realizadas nesta quinta-feira.

Para Vidigal, a proposta de Chávez reflete o “desgaste” de sua popularidade no país. “Alguns analistas internacionais interpretam esse autoritarismo dele como reflexo da perda de poder do presidente e de seu isolamento político”, disse o cientista político.

Ao contrário do que se viu em anos anteriores - como em 2007, quando a mesma lei aprovada pelo Parlamento venezuelano recebeu a aprovação da maioria dos venezuelanos -, a medida não foi bem recebida pela população.

Uma pesquisa realizada pelo instituto privado Consultores 21, em agosto desse ano, mostrou que a popularidade de Chávez caiu a 36% em julho, mantendo uma tendência de queda iniciada “há um ano e meio”, segundo Saúl Cabrera, vice-presidente do instituto.

Maria do Socorro Sousa Braga, cientista política da USP e da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), também considera que medidas como a proposta por Chávez tem como objetivo “centralizar o poder” na figura do presidente.

Segundo ela, a única situação em que não se deve interpretar um governo por decretos como ato de um governo autoritário é quando há uma situação de emergência em decorrências de grandes catástrofes, e apesar das fortes chuvas, esse parece ter sido um “motivo encontrado por Chávez” para reivindicar novamente tais poderes. “Ao longo dos últimos anos ele vem perdendo apoio da própria base e, nesse sentido, medidas como essa são uma forma de reforçar o seu poder”, diz a cientista política.

Para Vidigal, se aprovada, a lei não atrapalha as relações da Venezuela com os demais países da América Latina e nem contraria a cláusula democrática aprovada pela UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), em novembro, permitindo sanções contra países do bloco que sofrerem tentativa de golpes de Estado. “As medidas autoritárias de Chávez não chegam a agitar [as relações entre os países] se forem mantidas no limite interno, se não ultrapassarem o território venezuelano.

No caso da Colômbia, isso gera uma tensão porque o país foi o que mais perdeu com o chavismo na América Latina.

Já o Brasil, pela boa relação econômica que tem com a Venezuela, prefere fazer vista grossa”, disse Vidigal. “É uma questão de soberania nacional.

Como não afeta as relações comerciais, isso não interfere nas relações entre os países vizinhos.

Nenhuma outra liderança pode interferir, mesmo com um discurso de que é pelo bem da democracia”, diz Maria do Socorro.

Com relação à cláusula, a cientista vê o projeto de Chávez como uma tentativa de se proteger de quem ele considera como seus inimigos, mantendo o poder de decisão em suas mãos.

Porta-vozes da oposição argumentaram que o objetivo da lei não é enfrentar os desastres causados pelas chuvas, mas decretar uma série de leis que a Assembleia não pôde aprovar durante sua legislatura, que terminará em 5 de janeiro de 2011, além de ampliar os poderes de Chávez. “Isso é um engano para todo nosso povo”, afirmou o governador do estado de Miranda, o opositor Henrique Capriles Radonski, segundo a BBC. “Se a desculpa é a situação de emergência atual, simplesmente isto é uma piada para todo nosso povo, incluindo os que votaram nos deputados do partido do governo”, lamentou Capriles.

Ainda segundo a oposiçãol, a Assembleia só pode dar uma Habilitante pelo tempo que resta ao poder Legislativo em funções e não para o novo período que começa em 5 de janeiro, mas os governistas asseguram que é possível conferir poderes especiais a Chávez por seis meses ou mais.

Desde que assumiu o poder em 1999, Chávez utilizou poderes especiais para governar por decreto em 2000, 2001 e 2008, com a aprovação de mais de 100 leis.

O mais recente período “habilitante” concedido a Chávez durou 18 meses, o mais longo da história democrática da Venezuela, quando ele estatizou companhias de telecomunicações e eletricidade, siderúrgicas e produtoras de cimento.