Editorial da Folha de São Paulo É sinal revelador de desconexão com a sociedade e de desconsideração pelo contribuinte o aumento salarial exorbitante que a Câmara e o Senado aprovaram ontem, beneficiando os próprios congressistas e parcela substancial da classe política.
Pelo projeto -um decreto legislativo, que não precisa da sanção presidencial para ser validado-, deputados, senadores, presidente da República, vice-presidente e ministros de Estados passarão a receber mensalmente R$ 26,7 mil, teto salarial do Poder Judiciário.
No caso do presidente e do vice, o reajuste será de 133,9%, uma vez que recebem hoje R$ 11,4 mil.
O aumento para os ministros será ainda maior -o salário atual deles é de R$ 10,7 mil.
São índices de reajuste extremamente elevados.
Sugerem, ou reforçam, a imagem da elite política do país alheia, ou muito distante, da realidade.
Sem demagogia, não se deve ignorar que o salário do chefe do Poder Executivo e dos ministros estavam, de fato, depreciados, desde logo à luz das atribuições e responsabilidades que tais funções envolvem.
Desde a década de 90, é sabido que muitos quadros qualificados deixaram a vida pública precocemente, atraídos pelas remunerações do setor privado.
Deveria haver, no entanto, uma maneira menos lesiva para a sociedade de corrigir tais distorções -por meio, por exemplo, de reajustes escalonados, menos estratosféricos e mais compatíveis com as circunstâncias do país.
Isso vale, e com muito mais razão, para o Legislativo.
Os congressistas se autoconcederam ontem um aumento de 61,8%, contra uma inflação acumulada de 20% desde abril de 2007, quando houve o último reajuste.
Só isso seria suficiente para provocar justa indignação.
Ocorre que os R$ 16,5 mil que cada deputado ou senador recebe atualmente como salário correspondem a uma parte relativamente pequena do que custam, de fato, para o contribuinte.
Cada um dos 513 deputados tem à sua disposição, mensalmente, R$ 60 mil de “verba de gabinete”, destinada à contratação de assessores (no máximo 25), em Brasília ou em seus Estados de origem.
Recebem, também, o chamado “cotão”, para gastos com passagens aéreas, correio, telefone.
O valor do “cotão” varia, entre R$ 23 mil e R$ 34,3 mil, a depender da distância da residência do parlamentar.
E há, ainda, R$ 3.000 de auxílio-moradia, inclusive para os que são do Distrito Federal.
O aumento, escandaloso em si mesmo, vem se somar a uma cultura corporativa de penduricalhos, regalias e flagrante descaso pelo dinheiro público.
Considere-se, ainda, que tal reajuste, a ser concedido a partir de fevereiro de 2011, provocará, no caso do Legislativo, um efeito cascata para assembleias e câmaras municipais, estimado em pelo menos R$ 1,8 bilhão por ano.
Não é algo que tenha grande impacto fiscal nas contas brasileiras -pode-se argumentar.
Trata-se porém, antes de mais nada, do impacto moral, da sinalização de descaso pela sociedade, do exemplo de desfaçatez que tal medida traduz.