Por Gustavo Krause E já que jogaram, vamos logo aportuguesar o digitalês a exemplo do que fez o jornalista Alon Feuerwerker: uiquiliquis, assim será tratada esta organização transnacional, sediada na Suécia, segundo dizem, sem fins lucrativos que publica de fontes anônimas, documentos, fotos, informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas sobre assuntos sensíveis.
Com efeito, o ventilador espalhou todo tipo de “assuntos sensíveis”: desde segredos militares estratégicos às venenosas fofocas da diplomacia mundial que abraça em público e apunhala no cochicho dos corredores.
Maravilha!
Na cintilante superfície da blogosfera, bailam corujas e pirilampos, fantasiados de hackers e ativistas digitais detonando mísseis da artilharia eletrônica.
No mundo dos simples mortais, os papeis de heróis e vilões políticos são disputados na porrada.
Liberdade de expressão versus terrorismo digital; transparência democrática versus segredos e razões de Estado ocupam os discursos com sinais trocados por conta de ostensivo ou enrustido, sempre pueril, pró ou antiamericanismo (a nossa boçalidade presidencial não passou em branco, é bom lembrar).
Tudo em prejuízo de autênticas bandeiras libertárias e do estado democrático de direito.
Neste novo fenômeno da alcaguetagem global (ou cabuetagem, corruptela regional), duas questões merecem atenção.
A primeira está na luta imemorial pelo poder e pelo exercício da opressão sobre a liberdade. É o que efetivamente ocorre.
Não interessa a natureza do poder, basta que nas relações humanas uma pessoa, grupo de pessoas, organizações possam impor sua vontade aos que não têm alternativas senão obedecer.
Neste sentido, o relato da história é uma crônica trágica.
A dominação foi e é exercida, sob os mais sórdidos e ultrajantes métodos, desde a nucleação familiar ao mais “frio dos monstros”, o Estado, criado com o propósito de assegurar a convivência pacífica e o bem comum.
Na prática, haja guerra, conflito, violência e roubalheira!
Em princípio, nada mais saudável do que desconfiar e submeter o exercício do poder aos mais amplos e diversificados controles, organizar a desconfiança e institucionalizar os mecanismos dos contrapoderes.
Quero mais é que os governos e os espiões digitais emendem os bigodes e, uma vez punidas as transgressões, que se explodam.
Vem, daí, a segunda questão.
O grande risco é que o uiquiliquis, mecanismo da nova mídia de controle do poder, venha a se transformar num poder sem controle, bisbilhoteiro, invasivo, venal, e que faça da privacidade do indivíduo, da pessoa, do cidadão, uma vítima fatal. “Informação é poder” tornou-se, hoje, uma expressão de domínio público.
A partir dela, o fenômeno da internet, especialmente os “wikis”, colocaram a humanidade no olho do furacão.
O bem e o mal estão de mãos dadas.
A propósito, os serviços de inteligência de estados democráticos, autoritários e totalitários, obtêm informações usando os mesmos métodos, em dosagens distintas, quais sejam, a espionagem, o suborno e a tortura.
O traidor, metade vilão, metade herói, não se encaixa nas hipóteses mencionadas.
Neste sentido, cabe indagar: como a história julgará o australiano Julien Assange?
Como o futuro enxergará o papel do cabo Bradley Manning que vazou 251.287 telegramas do setor de inteligência do Exército Americano no Iraque?
As novas mídias contribuirão com a liberdade de expressão e a transparência do regime democrático ou serão usadas na manipulação da verdade em favor da demolição das individualidades e do triunfo final do poder totalitário?
Estas inquietações procedem.
Basta lembrar que o rádio que serviu aos propósitos democráticos do Presidente Roosevelt, foi o mesmo rádio que incendiou a nação alemã diante dos apelos genocidas de Hitler sob a orientação de Goebbels.
Não há um projeto de caudilho, ditador, ou monstro totalitário que dispense o controle das informações e o uso diabólico dos meios de comunicação de modo a aniquilar a liberdade individual.
De um lado, confesso, assusta-me a possibilidade criada pela tecnologia de, em cada esquina, sentir a presença e a sentença “O Grande Irmão zela por ti”, atormentando Winston Smith, personagem de 1984 de George Orwell; de outro, alegram-me rumores segundo os quais o uiquiliquis tem a relação das contas dos espertos depositantes de bancos suíços e paraísos fiscais.
Vai ser divertido conhecer célebres, ocultos e nervosos correntistas.
Segundo as más línguas, existem mais conterrâneos do que possa supor a nossa eficiente Receita Federal.