Raimundo Carrero narra em livro a experiência de ter sofrido um AVC Na Ilustrada Quando acordou, na madrugada do dia 19 de outubro, o escritor Raimundo Carrero, 62, não conseguiu se levantar da cama.

Sentia uma forte dor de cabeça e um mal-estar intenso.

Por mais que fizesse força, o corpo teimava em não obedecer aos seus comandos.

Ele então tomou impulso e tentou mais uma vez.

Acabou tombando em cima da mulher, Marilene. “Ela deve ter pensado que eu estava bêbado”, relembra Carrero, rindo.

O escritor nunca foi de recusar um copo, mas nada tinha bebido no dia anterior.

Marilene, que é médica, não teve dúvida: tratava-se de um AVC (acidente vascular cerebral), doença neurológica que acarreta paralisação ou dificuldade de movimento dos membros.

Carrero, além de não se mexer, também não conseguia articular as palavras.

Enquanto ia para o hospital, não pôde dividir com ninguém seu maior temor: nunca mais poder escrever.

Mesmo que sobrevivesse, causava pânico ao vencedor do Prêmio SP de Literatura pelo livro “A Minha Alma É Irmã de Deus” imaginar que alguma sequela comprometesse o ato de criação.

Felizmente, o medo não se concretizou.

Cinco dias depois de voltar para casa, após passar 15 internado, ele iniciou “Às Vésperas do Sol”.

Com a mão direita, num pequeno diário, ele escreve o relato real da doença e de sua recuperação. “Se não pudesse escrever, acho que teria morrido.

Ou já estaria louco”, diz, aos risos.

Quando a Folha o visitou em Recife, no último sábado, o encontrou já mais animado e falante. “Ele melhorou muito na última semana.

A fase mais crítica, felizmente, já passou”, conta Marilene.

A nova rotina de Carrero inclui fisioterapia diária e mais sessões semanais de natação, acupuntura e fonoaudiologia. “É tudo um saco, dói demais”, resume ele.

O braço e a perna esquerda ainda permanecem parcialmente paralisados.

Para se movimentar, necessita da ajuda da esposa ou das enfermeiras que se revezam para cuidar dele.

Tal estado de dependência é o que mais o aborrece. “Ele sempre foi muito ativo.

O que o faz sofrer é pensar que não pode fazer mais tudo o que quer”, diz Marilene.

O próprio Carrero resume a situação. “Imagine bem: de repente você não consegue fazer nada sem ajuda dos outros.

De cinco em cinco minutos, tenho de chamar alguém.

Não tem sido fácil.” Nos últimos meses, pouco tem conseguido ler, o que, para alguém que respira literatura, também não é nada fácil.

Segurar o livro por muito tempo causa incômodo e ele tem tido dificuldade para se concentrar nas CHUCHU Enquanto conversa, de tempos em tempos Beatriz, uma das enfermeiras, vem trazer-lhe um copo d’água com um canudinho dentro. “Tomar água no canudinho é foda, né”, resmunga, arrancando risos de todos.

O humor, percebe-se logo, não foi afetado pelo trauma.

Permite até que Carrero enxergue um ponto positivo na doença: a perda de peso.

Antes do AVC ele tinha 105 quilos.

Com os exercícios e a dieta rigorosa, que cortou gorduras e sal, chegou aos 88.

Está feliz com os quilos perdidos, mas confessa que o preço é alto. “Minha alimentação é a coisa mais monótona que existe.

Só frutas e verduras.” Pior de tudo: muito chuchu, para seu desespero. “Comer chuchu é igual torcer para o Náutico, não tem gosto”, brinca, fazendo troça com o time adversário.

Carrero é torcedor fanático do Sport.

Mesmo quando internado na UTI, poucos dias após o AVC, assistiu pela TV a um jogo contra o arquirrival (infelizmente, lamenta, a partida terminou empatada).

Além do futebol e da escrita, conserva também o hábito da reza diária.

Católico, há mais de 20 anos carrega o mesmo escapulário.

A companheira de oração mais frequente é Beatriz, que é evangélica. “Cristo está em todas as religiões e traça uma direção para cada um de nós”, diz ele.

Mas seguir esse caminho, bem sabe Carrero, nem sempre é fácil.